As autárquicas intercalares de Lisboa são um tema incontornável. Por aquilo que não foram, por aquilo que provocaram, por aquilo que vão condicionar. Porque são o espelho de algumas incapacidades, políticas e de cidadania. Porque os seus resultados são uma excelente bofetada nalgumas harpias da pretensa sabedoria popular.
Dizer-se que as autárquicas de Lisboa demonstram, com os 62,5% de abstenção, que as pessoas, o cidadão comum, estão descrentes do sistema democrático é uma falácia. Uma falácia perigosa e um insulto aos 37,5% de eleitores que foram votar. Que os eleitores não se sentissem muito interessados nestas eleições, é uma coisa. Que todo o processo nasceu torto e nunca se endireitou, é outro dado indiscutível. Que a abstenção é, ela própria, uma forma de manifestação do voto, também. Que as eleições coincidiram com um dia em que uma minoria significativa de eleitores saiu para ou chegou de férias, ainda. Que há gente preguiçosa e comodista, um dado mais. Mas não chega, para dizer que há descrença na democracia. Dizer isso só interessa mesmo a quem não crê na democracia. Ou a quem a democracia não interessa mesmo.
Mas podem dizer-se, sem risco, outras coisas. Pode dizer-se que na génese destas eleições está uma demonstração da mais absoluta incapacidade de planeamento estratégico político de que há memória. Que o dr. Marques Mendes se enrolou em si próprio de tal maneira, que deu um nó cego impossível de desatar. Que, ao armar em grande justiceiro (ainda que com uma – hoje é perceptível o perigo que encerra – suposta dimensão ética), abriu caminho em candidaturas pretensamente independentes de puro revanchismo, começando nesse momento a libertar o monstro autofágico social-democrata que ataca periodicamente. Que, face aos resultados calamitosos, não teve outro caminho senão a fuga para a frente. E que, ao fugir para a frente de qualquer maneira, desbaratou um dos poucos trunfos que tinha: o de poder evitar chapeladas eleitorais internas nas directas, conhecidas por sociais-democratas e não sociais-democratas. Pelo menos aqui na zona. Vai imolar-se só. E é pena, há quem o merecesse bastante mais.
Outra coisa que se pode dizer: somos um povo que ainda é presa fácil do populismo. Seja ele de direita ou de esquerda. E isto é sinal de falta de maturidade cívica. Terá a ver com o estado a que chegou a educação em Portugal? Terá a ver com essa pecha do chico-espertismo, tão portuguesa, com essa capacidade de admirar quem é capaz de fazer as trampolinices que o português comum adoraria poder fazer mas tem vergonha de confessar? Será que o Wilhelm Reich tinha razão, quando falava da psicologia de massas do fascismo? Qual o fascínio que leva aos resultados de Carmona e de Roseta? A identificação com as “vítimas”, numa síndroma de Estocolmo ao contrário? O seu carácter forçado de <i>outsiders</i>, que só o são porque perceberam que era essa a única maneira de desenvolverem um projecto pessoal, indo contra o <i>mainstream </i>das forças políticas que, de um ou outro modo, integraram?
Uma outra coisa a dizer: António Costa ganhou. Em aparente contraciclo, ainda por cima. E num momento em que se desenvolve uma hipócrita e canalha campanha sobre uma pretensa estratégia de controlo das opiniões, em que se agitam fantasmas orwellianos de retrocessos a um 1984 que não o de há 23 anos. Hipócrita e canalha por razões diversas: porque quem grita não o fez quando devia, porque quem grita o faz para desviar atenções da maneira como gere a manipulação das opiniões, que existe, sim, mas não onde a apontam. Mas António Costa ganhou, o PS ganhou, por muito que isso doa a alguns. E apesar de algumas asneiras e múltiplas desatenções de um Governo que, de quando em vez, faz algumas coisas de esquerda. Quando pode, provavelmente.
Uma última coisa possível de dizer sobre as eleições em Lisboa, para além do ocaso de Portas: a falta de vergonha do PCP e do seu secretário-geral Jerónimo de Sousa. Num acesso de, não encontro outra explicação, amaurose por hiperortodoxia, com laivos de inconsciência política, afirmou o sr. Sousa que os resultados eleitorais eram uma derrota para o Governo de direita do Partido Socialista e uma vitória para as forças comunistas. Que o PCP é como as selecções nacionais de há umas dezenas de anos atrás, todos o sabemos: as vitórias morais são mais que muitas. Mas que ninguém veja ou queira ver a realidade, quando os resultados mostram uma descida de 2% face a 2005, mostram que Ruben de Carvalho ficou atrás de Roseta, com menos de 10% dos votos, e mostram que o PCP é totalmente incapaz de capitalizar o descontentamento que não se cansa de apregoar, é que espanta. Ou talvez não, porque, se calhar, a Zita Seabra tem razão nalgumas das coisas que escreveu nas suas memórias. Se calhar <b><i>Foi Assim </i></b>e ninguém lhes disse.
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