O meu programa eleitoral

Vitor Encarnação

Escritor

Estamos apenas a três semanas das eleições autárquicas e todos os concelhos do Baixo Alentejo têm traços comuns no que à situação autárquica diz respeito:
Há candidaturas de continuidade, há candidaturas de reconquista e há candidaturas que almejam a primeira conquista. E é assim que deve ser, é este o princípio da democracia. Manutenção e alternativa, poder e oposição.
Com exceção de algumas candidaturas independentes, todo o poder local está constituído e quer voltar a constituir-se a partir das estruturas dos aparelhos partidários.
Muitos rostos são os mesmos e por isso espera-se, naturalmente, que estes quatro anos lhes tenham dado mais consistência e uma maior maturação. Quer tenham estado no poder, quer tenham estado na oposição. Ao contrário do que se pensa, e muitas vezes erradamente se demonstra, a oposição deve ser algo de contínuo, consistente e criterioso, porque atrás de um exercício de poder deverá estar sempre uma boa oposição.
A oposição atenta é fundamental para que o poder não perca a noção da realidade. Qualquer poder que não sinta o escrutínio da oposição é um poder que, mais cedo ou mais tarde, de forma mais elaborada ou mais rude, por vertigem ou devaneio, pode falhar relativamente aos compromissos que acordou com os seus concidadãos. E é por isso que é fundamental que o poder seja competente e que a oposição seja eficiente. Quando a eficiência fiscaliza a competência, isso significa uma mais-valia para a comunidade. Uma oposição que desista dos seus princípios, ou que se coloque à margem dos destinos da comunidade que quis dirigir, ou que apareça só para a festa das eleições, condena-se a ela própria, não respeita o seu eleitorado, o eleitorado não a respeita, e dá ao poder a possibilidade de se manter. A tendência do poder é dizer que tudo o que faz é bem feito, que a sua verdade é toda a verdade. Quando isto acontece, a oposição tem um papel determinante na manutenção do equilíbrio. Mas um papel difícil, porque quem acusa é quem tem o ónus de apresentar provas e a apresentação de provas é uma tarefa longa e aturada, é um trabalho de credibilização junto dos eleitores, é a arte de mostrar claramente a alternativa àquilo que existe e se condena.
Quando é bem feita, a oposição é o poder que mais assusta o poder.
As políticas locais têm características muito próprias, são maioritariamente desempenhadas por pessoas que conhecemos e que se propõem resolver problemas que afetam uma determinada comunidade, leia-se freguesia, leia-se concelho.
Há certamente muitos eleitores que ainda estão indecisos relativamente ao seu voto.
Para uma definição do sentido de voto, quanto mais racional ele for, melhor, porque quatro anos da vida de um concelho é muito tempo ganho ou perdido, julgo que devemos analisar o seguinte:
1. O Programa Eleitoral – O Programa Eleitoral é apenas um papel cheio de frases feitas, lugares comuns, jogo de palavras, discursos redondos, slogans, ou o seu conteúdo define inequivocamente o que se pretende fazer, como e quando? É feito de compromissos claros, exequíveis e mensuráveis? É original e adaptado à realidade ou é um decalque do anterior, muitas vezes não executado? Responde às necessidades dos munícipes e dos fregueses dum território em concreto ou é uma cópia de um programa de um outro sítio ou de um outro tempo qualquer? Há datas concretas para a resolução de problemas e para a satisfação dos anseios das populações ou há apenas um futuro indefinido que voltará a dar sinal de vida daqui a quatro anos?
As propostas e as alternativas apresentadas são resultado de um aturado trabalho de recolha de informação detalhada, comprovadamente correta, factual e inequívoca, ou são apenas meras perceções? As afirmações feitas relativamente a certas áreas específicas são fruto de um conhecimento técnico, curricular, científico, ou, pelo contrário, são avulsas, erráticas e superficiais? O que se diz e afirma respeita a inteligência dos eleitores ou são meras atoardas embrulhadas em demagogia?
2. Partidos Políticos – Apesar de ser comum dizer-se que as candidaturas às eleições autárquicas têm mais a ver com pessoas do que com partidos, o que em larga medida é verdade, é certo e sabido que são os partidos, mais as suas ideologias, que são a base dessas candidaturas. Assim, porque as pessoas que se candidatam incorporam em si esses pensamentos e essas doutrinas, é preciso ler com muita atenção o que esses valores e essas determinações, e, principalmente, as suas práticas nos mostram.
3. Independência – Um valor absoluto perante eleições. Não depender de nada, nem de ninguém, não ser constrangido no seu sentido de voto, são os princípios da liberdade de escolha. Não devemos nunca esquecer que só as escolhas informadas são escolhas democráticas. Será que somos verdadeiramente independentes? O que é que nos limita e nos constrange?
4. Poder – Quem esteve no poder nos últimos quatro anos cumpriu o prometido? Tornou presente esse futuro indefinido? Concretizou os compromissos? Resolveu os problemas que disse que resolvia? Não fez mais porque não pôde ou porque foi ineficaz? Foi uma caixa-de-ressonância do partido, da ideologia, ou pelo contrário, defendeu incondicionalmente os interesses dos seus eleitores? Foi contínuo e sistemático na atenção que deve ser dada à população ou só nos últimos tempos é que foi mais enérgico? Merece continuar porque foi competente?
5. Oposição – A oposição é a arte de mostrar claramente a alternativa àquilo que existe e se condena. A oposição esteve atenta e ativa ao longo destes últimos quatro anos? Foi apenas gratuitamente contra ou fiscalizou e foi criando um programa alternativo e consistente e dele foi dando conhecimento à população? Foi fazendo um trabalho de credibilização junto dos eleitores? Foi contínua e sistemática na atenção que deve ser dada às populações ou só nos últimos tempos é que foi mais enérgica? Merece vir a governar porque foi competente na apresentação de alternativas?
6. Pessoas – A parte mais importante de todas. As políticas de proximidade têm rosto, coluna vertebral, memória, identidade, passado e presente. Estas características podem ser o caminho para uma vitória ou a queda para uma derrota. São as pessoas que dão corpo a um projeto, a uma ideia, a um programa eleitoral. É, pois, fundamental saber quem são, e, principalmente, saber o que têm sido ao longo da sua vida, seja ela mais curta, seja ela mais longa.
A esta avaliação, os candidatos não se podem furtar, quem decide concorrer a cargos públicos tem obrigatoriamente de aceitar ser escrutinado.
Integram o projeto político apenas porque se acham capazes ou a sua cidadania e as suas competências estão certificadas pelos seus conterrâneos? Não são da terra e estão só de passagem para cumprir uma agenda partidária ou estão cá sempre que precisemos deles? São apenas retóricos globais ou entendem a alma do local? De que forma contribuíram ao longo do tempo para o bem comum? Tornaram-se subitamente simpáticos, subitamente disponíveis, subitamente interventivos ou são a continuação natural de uma atitude por todos conhecida e reconhecida? Que percurso percorreram e que provas deram para o engrandecimento das suas comunidades? Que crédito local adquiriram? Que capacidades de liderança e de trabalho têm para conseguirem mudar ou manter o estado das coisas?
Eu vou fazer este exercício relativamente ao meu concelho e no dia 12 de outubro lá irei escolher aqueles que me derem mais respostas positivas às questões que elaborei nos seis pontos anteriores.
Aqueles que, pelo conhecimento que eu tenho deles, me conseguirem garantir que a situação vai melhorar, não basta a lista de desejos, que posso acreditar nas suas propostas, nas suas equipas, no seu espirito de missão, que o saneamento básico melhorará, que a limpeza da vilas e das aldeias melhorará, que se vai apostar na cultura e na educação como fatores de desenvolvimento pessoal e social, que o concelho e as freguesias são homogéneos em termos de coesão territorial, que se vai investir nos espaços de lazer, que se vão criar centros e mecanismos de desenvolvimento económico, que se vai de uma vez por todas fazer o que ainda não foi feito e é primordial fazer, que o curto prazo eleitoralista nunca se sobrepõe ao longo prazo estrutural, que se conhece o assunto de que se fala sem dizer alarvidades, aqueles que me provarem que são críticos e equidistantes relativamente ao partido que os suporta e que os interesses dos eleitos nunca estarão acima dos interesses dos eleitores terão o meu voto.
E, caro leitor e cara leitora, nunca se esqueça que os eleitores têm uma vantagem absoluta sobre aqueles que querem ser eleitos: os eleitores é que escolhem em quem votam, nunca o contrário.
O resto é conversa.

Facebook
Twitter
LinkedIn
Em Destaque

Últimas Notícias

Role para cima