Massa Crítica

Sexta-feira, 5 Novembro, 2021

Vitor Encarnação

Escritor

Cada terra é o resultado dos seus aspetos geográficos, paisagísticos e históricos e das suas dinâmicas sociais, culturais, desportivas, associativas, científicas, económicas e políticas.
Tirando algumas situações de terras que, por força de características excecionais, se destacam no panorama nacional, as terras mais comuns dependem sempre e muito da soma das qualidades das pessoas que nelas vivem ou com elas interagem.
Vem esta introdução a propósito de uma conversa tida com um amigo sobre a importância que as pessoas, ou melhor dizendo, as suas capacidades cognitivas e os seus conhecimentos técnicos, exercem sobre uma determinada comunidade e dessa forma a influenciam.
Somos ambos professores e exercemos os dois a profissão há mais de três décadas, tempo suficiente para acompanhar diferentes gerações e diferentes realidades.
Orientámos de perto o percurso de muitas centenas de alunos e sabemos quem ficou na sua terra e quem foi embora e já não voltou.
É costume dizer-se que só faz falta quem está. Mas este ditado, fruto de uma sabedoria popular algo bairrista, é um erro de avaliação quando aplicado a este contexto.
Evidentemente que faz muita falta quem está. Evidentemente que devemos louvar aqueles que gerem cada comunidade e mantêm viva a identidade local. Mas isso não invalida que não possamos fazer um exercício teórico e colocar as seguintes perguntas:
– Como seria a nossa terra se aqueles com grandes capacidades cognitivas e conhecimentos técnicos não se fossem embora?
– Como seria a nossa comunidade se aqueles brilhantes alunos permanecessem, ou ao menos voltassem, e contribuíssem para o nosso desenvolvimento social, cultural, desportivo, associativo, científico, económico e politico?
Foram estas as questões fulcrais que eu e ele debatemos. Temos a noção de que estas hipóteses não passam de uma utopia, de uma ficção, de um desejo irrealizável, mas, ainda assim, convenhamos, maravilhoso.
Costumo dizer que a Escola é o rascunho da vida, é nesse espaço e nesse tempo que a essência do ser humano se define, é aí que a moral, os valores, a introspeção, a solidariedade, a inteligência, a assertividade, o compromisso e a competência ganham forma.
Trinta e quatro anos dão-nos a possibilidade de comparar esse rascunho com o produto final em termos de cidadania. No produto final a essência está lá, a essência permanece. Para o bem e para o mal das comunidades.
E é por isso que é triste ver partir muitos dos bons, é por isso que é frustrante saber que eles vão influenciar positivamente outras terras e, por razões tão complexas que até as utopias não conseguem contrariar, não voltarão à sua.
A cada ano que passa, a realização do sonho de entrada na universidade, acontecimento único na vida de cada aluno e da sua família, é uma potencial perda para a comunidade. É mais um investigador que parte, mais um executor que se vai embora, mais um técnico que nos deixa, mais um cidadão pleno e capaz que não participa no nosso processo de desenvolvimento.
A razão está do lado de quem parte, isso é inquestionável e é um direito absoluto, há rascunhos que têm de ser aprimorados noutro lado, a terra onde vivem não é suficiente para levar a cabo os planos e realizar os sonhos.
A interioridade tem custos elevados e as diferenças relativamente às grandes cidades são cada vez mais maiores.
E a partida das pessoas mais distintas, a migração de grande parte da massa crítica, torna tudo muito pior.

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