Citius, Altius, Fortius

Quinta-feira, 17 Setembro, 2020

Luís Dargent

dirigente do CDS

Só pelo título já se pode augurar o pior – pretensiosismo de citações em latim ficam sempre bem em qualquer artigo –, o que não se podia prever era o reaccionarismo que segue num tema aparentemente inócuo como os Jogos Olímpicos. Fica feito o aviso às almas mais impressionáveis.
O título do artigo é o lema da atrás citada manifestação desportiva: “Mais Longe, Mais Alto, Mais Forte”. E poderá haver mensagem mais reaccionária que esta? “Incomodar as pessoas para quê? Com que fins obscuros é que se pode exigir a um comum mortal esta trabalheira? E onde é que se quer chegar? Qual é o limite? E a remuneração? É igual para todos, espero”. São estas as preocupações que, imagino eu, passarão pela cabeça de um inefável personagem de esquerda tipo Arménio Carlos ou Francisco Louçã, para não falar no anafado Vasco Lourenço comentando em nome da sua não menos anafada associação. Tirando aquele período da Guerra Fria, em que se tinham que esfregar as medalhas nas fronhas dos malvados capitalistas para provar a supremacia dos povos socialistas ou da raça branca, como quis fazer o outro do socialismo esquisito (como se houvesse socialismos que não o tenham sido), não vale a pena o esforço.
A mim o que me impressiona neste espectáculo, muito para além da tradicional e admirável cerimónia de abertura ou de encerramento, é a capacidade de superação dos atletas, ou pelo menos a sua tentativa. Os dois momentos que mais me emocionaram desde que me lembro (e desde Munique que sigo com maior ou menor intensidade os JO) estiveram sempre mais perto do estrondoso fracasso do que de vitórias imortais. Sim, mais do que a vitória do Carlos Lopes e da Rosa Mota na maratona e todas as outras medalhas a que assisti com indisfarçável orgulho e emoção, os dois momentos que mais me marcaram envolveram uma atleta suíça e um nadador da Guiné Equatorial. Respectivamente Gabrielle Andersen-Shiess e Eric Moussanbani, que me deram verdadeiras imagens do que é o verdadeiro espírito olímpico e, sobretudo, dois actos de heroísmo, na minha sempre pouco modesta opinião. Ela acabou os últimos 400 metros da maratona de uma forma alucinante, cambaleando e ultrapassando todos os limites, correndo sério risco de vida, demorando na maior exaustão cinco minutos e 44 segundos a fazer o que em circunstâncias normais demoraria bastante menos de um metro, no maior sofrimento e agonia, com treinadores, directores de prova e médicos a gritar para que desistisse e um estádio inteiro a aplaudi-la de pé creio que até hoje. Já o nadador tinha aprendido a nadar seis meses antes na piscina dum hotel, porque no seu país não havia piscinas olímpicas, e nadou os 100 metros livres sozinho (os outros dois concorrentes foram eliminados por falsas partidas). O desgraçado demorou quase dois minutos a concluir a prova, num estilo nada livre, tendo o vencedor feito bastante menos de um minuto. Também neste caso o que começou por ser uma paródia para o público terminou numa tremenda ovação, tendo o nadador ganho o respeito de todos, comovendo milhões em todo o mundo.
E tudo isto porquê? Porque sim… <i>Sic gloria transit mundi</i>.

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