Escrevo este apontamento a propósito do concurso da RTP “7 Maravilhas da Cultura Popular”, no qual o “Cante Alentejano” (candidatura de Serpa) foi eliminado pelos concorrentes “Abertura das Talhas” (candidatura da Vidigueira, em primeiro lugar) e “Cante ao Baldão com Viola Campaniça” (candidatura de Odemira, em segundo lugar).
Começo por manifestar a minha imparcialidade neste dito concurso, na medida em que apadrinhei a “Viola Campaniça” na categoria de “Artefactos” e, por outro lado, não admitia nem podia imaginar que o Cante não saísse vencedor dentre os citados concorrentes, mais a “Pesca Artesanal no Litoral Alentejano”, as “Talhas de Beringel” e as “Botas Alentejanas”. Confesso que por razões de ordem cultural e sentimental, no pódio da minha imaginação tinha colocado por ordem decrescente o Cante, o Baldão e a construção da Viola Campaniça, tendo para o efeito, votado aleatória e insistentemente nos três.
Posto isto, e mesmo que o resultado final da prova tivesse sido favorável ao Cante, considero que a sua candidatura nesta roleta sempre teria sido um erro da entidade que a promoveu, pois a mesma disputa, só por si, já rebaixava a essência e a dignidade do vulto maior da Cultura Popular do Alentejo, ao competir lado a lado com referências importantes, mas de valores incomparavelmente menores.
Qualquer uma das outras candidaturas só tinha a ganhar concorrendo, para colher notoriedade e beneficiar com a divulgação televisiva da sua existência. Nada tinham a perder.
Mas o Cante Alentejano já ocupa um merecido lugar no “Olimpo” do Património Imaterial da Humanidade.
Precisa de tudo menos de propaganda de feira. Atravessa presentemente e pela certa a fase mais negra da sua existência, sem que exista um plano de salvaguarda que lhe valha e na ausência de uma política cultural regional concertada e integradora de medidas e estratégias que visem a sua defesa e dignificação.
O Cante Alentejano, no pós-classificação como Património Imaterial da Humanidade já lá vão cinco anos, ao invés de ter reforçado a sua identidade própria e vincado claramente aquilo que é enquanto prática vocal representativa, para reforço do seu valor peculiar, ficou inerte deixando-se usar, sem tirar qualquer proveito do galardão que lhe foi atribuído pela Unesco.
E agora que já se calou o foguetório abundante, lançado dando vivas à sua classificação, a realidade da generalidade dos Grupos Corais, seus verdadeiros suportes e detentores, é visivelmente deprimente e denunciadora de um futuro pouco promissor.
Foi neste contexto que a Casa do Cante de Serpa teve a ideia e cometeu a ousadia de promover a sua candidatura perdedora às “7 Maravilhas da Cultura Popular”.
E o Cante, com uma categoria de nível olímpico, sujeitou-se a sofrer uma derrota vergonhosa, mesmo jogando em casa (na Cuba, a catedral do Cante), contra adversários de inegável mérito, mas cujo prestígio global é incomparavelmente inferior.
Sabemos que este desaire não servirá como fator de reflexão, de agitação, de motivação e de mobilização para a prossecução de um trabalho conjunto a nível regional para implementar a necessária salvaguarda do Cante, porque a lógica dominante, tal como a inércia e a indiferença instaladas, nunca o vão propiciar.
Calculamos, por isso, que o Cante continue o seu percurso de definhamento, assistindo-se a cada dia ao tombar dos Grupos Corais sem que ninguém se preocupe, sem que haja vontades para inverter o tendencial declínio da nossa realidade vocal mais autêntica.
Por este caminho, com esta atitude, não vamos longe.
O autor utiliza o novo
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