A doutrina do choque

Quinta-feira, 17 Setembro, 2020

Carlos Monteverde

É fundamental ler este livro da jornalista Naomi Klein, um best-seller do “New York Times”.
Nele aprendemos como a política se subordina à economia e como o grande capital financeiro se aproveita de todas as crises mundiais para criar novas “ordens económicas”, que assentam num liberalismo total, gerando enormes fortunas, acompanhadas de aumento do desemprego, de baixos salários e agitação social. O liberalismo económico cego e livre foi cultivado na chamada Escola de Chicago, por Milton Friedman, que apostava nos mercados e preços livres, sem controlo dos estados, como melhor forma de recuperar as economias e produzir riqueza. Foi assim no Chile de Pinochet, na Indonésia de Suharto, na Inglaterra de Thatcher, na Rússia de Yeltsin e em tantos outros países. Com a repressão social conhecida, desvalorizações das moedas, desemprego e, pelo meio, o aparecimento de fortunas obscenas, como a do magnata russo Roman Abramovich.
Foi com este tipo de projecto económico que Friedman ganhou o Nobel da Economia.
A intervenção nos diversos países é feita pelo FMI, sob a orientação de tecnocratas discípulos de Friedman, formados em Chicago. No Portugal de Abril já tivemos uma vinda do FMI, quando era primeiro-ministro Mário Soares, e temos agora a ameaça de voltar uma segunda, devido ao défice das nossas finanças públicas.
Entretanto tivemos a tal “crise mundial” com a falência de grandes bancos e seguradoras, que veio para ficar, no meio de grandes roubalheiras, de salários que atentam contra a pobreza e o desemprego, e com os gestores das grandes empresas e bancos, grandes responsáveis por tudo, amarrados aos mesmos lugares como lapas. Preso e ao fim de seis meses, só mesmo o administrador do Nasdaq que roubou de mais a gente “importante” como ele. Por cá rouba-se menos, porque há menos dinheiro, e parece que se rouba dentro da legalidade.
Assim e sem surpresas vai continuando tudo na mesma. A banca, recauchutada com dinheiro fresco de todos nós, empresta menos e aumenta as margens de lucro. A segurança social caminha para o abismo, com cada vez menos população activa a pagar para mais reformados. Vão fechando cada vez mais empresas, o desemprego aumenta, os jovens licenciados não encontram emprego, o Estado tem de aumentar os impostos, que vão comendo cada vez mais os baixos salários, enquanto centenas de gestores mantêm intocáveis salários de centenas de milhares de euros, mais despesas de representação, automóveis de serviço e telemóveis. Os clubes de futebol gastam milhões de euros a comprar “génios da bola” para gáudio de muitos adeptos desempregados e até políticos de esquerda. Milton Friedman começa a rir-se na campa. Tem mais um país no papo. Até porque a Europa do sr. Durão Barroso, ao nível da superestrutura económica, nada mudou.
Acredito que José Sócrates tentou através dos PEC(s) minorar os sacrifícios pedidos aos portugueses, aguardando que a evolução dos mercados e da economia global nos favorecesse. Não aconteceu e o pacote de medidas agora anunciado, entre aumento da receita e cortes na despesa, não parece ter alternativa. A não ser que Pedro Passos Coelho divulgue um plano melhor. Sem continuar pelo caminho da crispação, que vai anulando o capital de simpatia que ganhou perante o país, quando mudou o estilo de oposição truculento da d. Manuela, com benefício para o país e para o seu partido. Agora parece ter ficado contagiado pelo estilo agarotado dos Miguéis, Macedo e Relvas, que nunca estão de acordo com nada e aparecem nas televisões com uma agressão verbal permanente. O país está cansado deste tipo de gente, que não dignifica a política, não tem cultura política e destila discordância permanente. A política do um diz mata e o outro esfola já cansa e os portugueses estão fartos. PS e PSD são responsáveis pelos últimos governos do país. Que mantiveram as off-shores para onde os ricos mandam fortunas que fogem ao fisco. Que criaram inúmeras empresas e fundações, para onde vão os ex-ministros dos seus governos ganhar milhões de euros e acumular ordenados e reformas. Que mantêm salários obscenos de gestores públicos superiores a 500.000 euros, que são mil vezes superiores ao salário mínimo nacional. Vou repetir: salários mil vezes superiores ao da maioria dos portugueses. Não é tolerável que governos socialistas possam manter este tipo de vergonhas sociais. Cavaco Silva tenta como Presidente cativar os mais desfavorecidos. Mas não diz que recebe três reformas, do Banco de Portugal, da Universidade Nova de Lisboa e como ex-primeiro-ministro, que pode acumular com o ordenado de Presidente da República. É vulgar em Lisboa esta gente da aristocracia política e económica acumular ordenados e reformas, que na maioria dos casos são auto-atribuídas, que sugam o estado até dizer chega. E não escapou aos mais atentos a ameaça do sr. Faria de Oliveira, presidente da CGD, e que ganha mais de 400.000 euros por mês, que o aumento de impostos sobre a banca teria de se reflectir nos clientes. Claro, não vão os lucros de milhões baixar. E não é logo demitido.
E é nisto que o PS se tem de diferenciar da concorrência partidária e política. A moralização da vida pública e a transparência da vida política. Chega de sustentar milhares de quadros secundários e medíocres, com automóveis do Estado, mais telemóveis, mais despesas de representação. Chega de ver empresas públicas como a Águas de Portugal, com frotas de 400 automóveis topo de gama.
Estes topos de gama são gamados aos portugueses, que têm de pagar estes luxos desnecessários, e que nos casos de abuso comprovado deviam ser julgados e condenados na praça pública.
Até porque, e essa é a verdade, o país não tem recursos para sustentar estas despesas.
Resta-nos esperar que o próximo Orçamento a apresentar ao país seja um Orçamento sério, onde todas estas despesas escandalosas sejam cortadas, e só depois seja aumentada a receita fiscal no que for estritamente necessário.
Não se pode acabar com a pobreza, mantendo os off-shores. Não se podem manter ordenados e riquezas obscenas diante do desemprego e da miséria social. É isto que deve diferenciar o Governo socialista daqueles que não andam longe dos tecnocratas da Escola de Chicago.

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