Prognósticos, só no fim!

Vitor Encarnação

Escritor

Não tendo dados que me permitam validar com números e factos, julgo que estas eleições autárquicas foram aquelas que mais surpresas trouxeram. Ficou a saber-se que as intuições ou exercícios de adivinhação não chegam e que não se pode dar nada como adquirido.

Provou-se, desta vez mais vincadamente, que os eleitores é que põem e dispõem, a cruzinha é que manda e não vale a pena andar a medir o tamanho das caravanas e da intensidade das buzinas. Provou-se mais uma vez que a maioria silenciosa e discreta é que decide.

Para além das palavras de ocasião ditas logo na noite das eleições autárquicas, certamente que as estruturas partidárias, nacionais, concelhias e distritais, já terão feito uma análise mais pormenorizada dos resultados obtidos.

Este exercício, em que a honestidade intelectual e a clarividência têm de estar presentes, é fundamental para que os partidos percebam que importância têm no país, numa região e mais concretamente numa determinada comunidade.

Mas, pasme-se, o resultado das eleições é das poucas situações da vida em que mesmo os que perdem também ganham. Logo nessa noite, em direto, não sabemos se assistimos a um dos grandes enigmas da matemática moderna ou a um exercício de matemática para cidadãos totós.

Antes de cada eleição, nos períodos mais fervorosos, mais concretamente durante as campanhas eleitorais, os partidos funcionam de uma maneira mais emocional, assumindo que nas suas fileiras estão os melhores e os mais capazes e que por causa dessa alma imensa não poderá haver outro resultado que não seja a vitória.

Esta postura prévia à eleição afigura-se-me compreensível e justa. Qualquer projeto tem de ambicionar ganhar, porque se assim não for não fará qualquer sentido o esforço e o empreendimento.

Mas, agora, neste tempo posterior às escolhas, neste tempo em que os eleitores já manifestaram o que queriam e o que não queriam, é altura de cada partido fazer o seu balanço.

E é tempo de, excetuando os abstencionistas, cada cidadão fazer o mesmo.

Eu acho que cada partido deve fazer estudos comparativos e tentar perceber quando e porquê tiveram determinados resultados, que circunstância política existia, quem eram os candidatos, aquilatar da robustez e do crédito desses candidatos, que tendência se tem verificado de quatro em quatro anos, se a trajetória é ascendente ou descendente, se houve um efeito de contágio dos resultados das eleições legislativas, por que razão um voto num partido a nível nacional não se consegue replicar em igual proporção num contexto local.

É preciso saber que razões levaram a que se perdesse quando não se esperava, que razões sustentaram a vitória, feita de rumo e empenho, que acabou por surgir. É preciso conhecer os motivos que afastaram e sublinhar os motivos que aproximaram os eleitores.

Ter ganho, mas ter perdido centenas de votos, ter perdido vereadores, ter menos membros eleitos nas assembleias municipais ou de freguesia, define uma tendência que pode ser momentânea, recuperável, circunstancial, mas que não deixa de ser uma tendência.

Do outro lado, do lado de quem não ganhou, olha-se para tal facto e fazem-se contas. Tenta-se perceber a flutuação, tenta-se adivinhar quem mudou de opinião e as razões que suportam essa mudança. É preciso ir fundo, cortar a direito e depois concluir. A autoavaliação é uma coisa muito útil para o próprio e para os outros.

Se mesmo aqueles que reforçaram a sua votação não devem seguir a via da sobranceria e do desleixo porque isso não demonstra respeito pelos adversários, os que ganharam por poucos não poderão nunca dar-se a esse luxo, sob pena de a alternativa estar mais próxima do que parece.

Há duas coisas que os que perderam não podem fazer.

Uma delas é a vitimização.

A outra, absolutamente a evitar, é culpar os eleitores pelos resultados menos bons que obtiveram. Atribuir as culpas a um deficiente julgamento e uma má escolha por parte dos eleitores pode ser contraproducente.

Se junto dos seus defensores essa postura de pôr em causa a inteligência e o livre arbítrio dos cidadãos reúne consenso, isso afasta muitos daqueles que poderiam no futuro apoiar a alternativa e fortalecer o número de votos necessários a uma mudança.

Assente numa experiência de vários anos, posso afirmar que as oposições têm tendência a desmontar a sua organização logo após as eleições. Há quase sempre uma desmobilização nos tempos a seguir às derrotas eleitorais.

Todos sabemos, mesmo os que não estão ativamente na política partidária, que uma coisa é juntar um conjunto de homens e mulheres em torno de uma causa e fazer com que, durante quinze dias, movidos a adrenalina e a emoções, eles defendam uma causa, expressa pelo mediatismo das redes sociais, pelo colorido das bandeiras, pela música do hino partidário e pelas buzinas, outra coisa é fazer uma travessia do deserto, sem voto em matérias que façam a diferença, sempre a perder votações, sempre em minoria, raramente fazendo valer as suas ideias, mas exercendo responsavelmente, de uma forma nobre, sistemática e contínua, a democracia onde ela de facto deve ser exercida.

Custa-me entender que quem quer surgir como alternativa apenas se apresente à comunidade dois ou três meses antes das eleições. Esse escasso tempo não permite uma maturação, impossibilita qualquer consistência de pensamento político e de capacidade de intervenção numa comunidade enquanto um todo sociológico, económico e cultural.

Quem ganhou as eleições só precisa de fazer uma manutenção de expetativas.

Quem perdeu precisa de trabalhar muito mais.

É por isso que fazer oposição é muito mais difícil do que estar no poder e essa árdua tarefa só pode ser executada por homens e mulheres com alma grande e que estejam ativos durante quatro anos.

Caro leitor, esteja atento, há pessoas da sua comunidade que você só vai ver de novo daqui a mil e quatrocentos dias. Há pessoas da sua terra que se vão novamente ausentar dos deveres de cidadania, do envolvimento em causas públicas, da promoção e da defesa de uma identidade. Voltarão folgados, cheios de energia, gritando as suas verdades, calcorreando estradas e caminhos por onde nunca passam, falando com pessoas com quem nunca falam. E, lamentavelmente, acham que isso é o suficiente para serem uma alternativa consistente.

As eleições não se ganham ou se perdem apenas por culpa de uma das partes. Há mérito e demérito dos contendores, há boas alternativas e falhanços dos rivais, há desleixo e empenho dos adversários, há trunfos e fiascos dos oponentes.

E depois, no ato da escolha, no cerne da democracia, o eleitor é a água que tudo nivela, o eleitor é a luz que tudo clarifica. Podemos dizer que a água está inquinada e foi pressionada, podemos dizer que a luz é falsa e corrupta.

Quando perdemos, podemos dizer muita coisa.

Mas saber perder é a base necessária para algum dia podermos alcançar a vitória.

Quando ganhamos, podemos dizer muita coisa.

Mas saber ganhar também é uma arte que, infelizmente, nem todos dominam.

Daqui a quatro há mais.

Prognósticos? Só no fim.

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