Não às touradas!

António Revez

Não é difícil simpatizar com Espanha, ou mesmo invejá-la, respeitá-la ou desejar viver lá, por diversas e distintas razões. Uma dessas razões prende-se com a existência de debates públicos e produção legislativa sobre temas, como dizer…, civilizacionais. Questões como os direitos das minorias sexuais e os direitos dos animais têm suscitado no país vizinho uma apaixonada odisseia cidadã de discussão e confronto públicos e dado pretexto à coragem de intelectuais, artísticas e políticos, traduzida na criação de uma legislação avançada e progressista.
O mais recente desses exemplos veio da Catalunha, cuja população reuniu 180 mil assinaturas numa petição contra as touradas. O Parlamento da região autónoma da Catalunha foi maioritariamente favorável aos argumentos anti-touradas e decretou a abolição das mesmas, com efeitos a partir de Janeiro de 2012.
Ora esta medida ganha ainda mais relevância e alcance, se considerarmos a implantação e enraizamento que as práticas tauromáquicas têm em Espanha. O que demonstra, mais uma vez, que as tradições culturais e identitárias não só não assumem um valor absoluto e intocável, como devem ser relativizadas e até descontinuadas se a elas estiverem agregadas a barbárie, a insensibilidade, a crueldade gratuita e ostensiva.
Pena é, e sabemo-lo, que estes ventos que sopram da vizinhança pouco ou nada incomodem a inércia regional e nacional quanto a estas matérias delicadas. Delicadas porque obrigariam os políticos a tomarem posição, a envolverem-se, a comprometerem-se, ao arrepio do conservadorismo dominante e do provincianismo instalado.
Contudo, o lobby tauromáquico vai perdendo poder e o imaginário da festa brava é cada vez menos cool e menos in, e vai-se afunilando no reduto tipificado de uma certa burguesia novo-riquista e de uma aristocracia bolorenta e nostálgica. O povão rural resiste ainda por força do hábito, mas há uma nova geração esclarecida e com profundas preocupações ecológicas, ambientalistas e humanistas, que vai disseminando o activismo anti-touradas e conquistando adesão popular e política. Esforço que, convenhamos também, tem vindo a ser facilitado pela debilidade dos argumentos pró-touradas.
E os principais desses argumentos são dois: a tradição, e a preservação de uma espécie ameaçada de extinção.
Da tradição já se disse. Seja ela cultural, artística, académica, não vale nem se justifica per si, mas sim à luz dos princípios e valores que convoca. E se é certo que encontramos nas touradas à portuguesa uma mescla de bravura, valentia, arrojo e talento, encontramos isso tudo enrolado em tortura bárbara, farpas e bandarilhas, jorros de sangue, sofrimento e morte (escondida). E será que aqueles que defendem as touradas pela força da tradição, defendem com a mesma força argumentativa a consagrada tradição dos homens violentarem e espancarem as mulheres? Ou a florescente tradição de maltratar e se abandonarem cães na via pública? Ou a novel tradição de lhes encherem as fachadas das casas com graffitis obscenos?
E o argumento de que as touradas salvam o touro bravo da extinção é ainda mais hilariante. Se para evitar a extinção do touro bravo é necessário sangrá-lo e espetar-lhe arpões na carne e depois… matá-lo (às escondidas), então temos a solução para contrariar a extinção dos elefantes e tigres: as elefantadas e as tigradas. Espectáculos gloriosos onde artistas com arcos e flechas e lanças ferem elefantes e tigres e depois… matam-nos, para se aproveitar a carne, marfim, pele, etc. E por esta brilhante lógica… nenhuma espécie mais se extinguirá…
Acabe-se com as touradas, esses festins ensanguentados, ou então transformem-nas apenas em toureio a pé e pegas, sem armas, ferimentos e morte. Edifiquem-nas! Ou então que sejam abolidas!

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