Não nos ofereçam flores

Margarida Duarte Patriarca

The Economist revelou em Março um gráfico que mostra o peso e a influência que há no trabalho desenvolvido por mulheres, comparando 29 países, desde a Coreia do Sul à Islândia, entre 2016 e 2021. O resultado é surpreendente.

Excluíndo a Coreia do Sul ou o Japão, cujo peso feminino é zero e por isso as mulheres continuam a ter de escolher entre ter uma carreira ou uma família, Portugal ocupa um respeitável 5º lugar, sendo que em 2016 ocupava o 12º lugar.

É inequívoco que as mulheres representam cada vez mais uma força importante no mundo do trabalho, académico, científico entre outros.

Já o mundo doméstico pouco ou nada nos libertou, sendo que assistimos a uma verdadeira revolução na adaptação que a mulher tem de fazer para assumir cada vez mais papéis, sem que substitua uns pelos outros.

A mulher é, e sempre foi, multitasking. Esse palavrão dos tempos modernos significa a capacidade de organizar, liderar, pensar e fazer acontecer várias coisas, em vários momentos, ao mesmo tempo.

 

Colocando de lado a difícil posição da mulher em locais do mundo ditatoriais, militaristas ou retrógrados, o papel da mulher no mundo ocidental é também difícil, exigente e competitivo. E, imagine-se não só devido aos homens, mas também devido às próprias mulheres.

Se antes a luta era entre os denominados sexo forte e sexo fraco, por direitos iguais, por remunerações justas e direitos assegurados, hoje a juntar a tudo isso surgem conceitos, que não sendo novos ganham um novo papel, como a sororidade, empatia e feminismo.

 

A complexidade da prática e defesa de todos estes conceitos é visível a vários níveis e um pouco por todo o lado.

Por exemplo, há ainda uma grande clivagem entre a aplicabilidade das leis que protegem a maternidade, a oferta de emprego e a respectiva remuneração entre o público e no privado. Lembra-se do honroso 5º lugar de Portugal que referi no início? Ele não espelha o facto de continuarmos a receber menos que os homens nos mesmos lugares de trabalho ou o facto de continuarmos a ter a nosso cargo a responsabilidade doméstica, responsabilidade educacional e de acompanhamento escolar dos filhos, de sermos quase sempre a primeiras cuidadoras dos nossos pais, de continuarem a ser-nos negados lugares de liderança ou de coordenação no nosso local de trabalho e de termos ainda a maldita da nossa consciência, a cultura e a educação que nos é dada, que nos prende e nos empurra para sermos nós a fazer tudo aquilo que os homens não querem, não sabem, ou não podem fazer.

Em Portugal muitas têm sido as mulheres que têm de alguma forma lutado pelos nossos direitos: Adelaide Cabete foi pioneira no nosso país na reivindicação dos direitos das mulheres, como o voto e um período de descanso (de um mês!) após o parto.

Ana de Castro Osório ficou para a história como a autora do primeiro manifesto feminista português, publicado em 1905.

Carolina Beatriz Ângelo que foi a primeira mulher no nosso País a conseguir exercer o direito de voto em 1911.

Maria de Lurdes Pintassilgo que foi a primeira e até hoje única mulher a ocupar o cargo de primeira-ministra de Portugal, em 1979.

 

A par da luta externa, onde é possível enumerar mulheres que pela sua coragem, inteligência e ousadia deram passos importantes na promoção da igualdade entre homens e mulheres, há uma luta interna, surda e muda que não tem caras, muito menos nomes.

Essa luta é travada por cada uma de nós nos mais diferentes momentos da nossa vida e em vários contextos, contra homens e até mesmo contra outras mulheres.

 

Refiro-me à violência que pode ser visível, através do feminicídio, ou seja, agressão física, ameaças e violação, mas também à não visível e que é tão difícil de provar: abuso psicológico, humilhação, chantagem emocional e a culpabilização.

E o que dizer da sociedade que sem querer (ou querendo), sem notar (ou notando) se expressa e autovalida através de publicidades, jornalismo e programas de televisão ou rádio que são machistas e retrógrados, menosprezando, ridicularizando e humilhando mulheres simplesmente por o serem.

 

A verdadeira diferença faz-se principalmente na mudança das consciências que teimam no preconceito:

“Onde já se viu, não basta ter um filho de um homem, já quer ter outro de um segundo?” “Credo, até pinta os lábios de vermelho!”

“Como é possível usar aquela saia com aquele decote? Estava mesmo a pedi-las!” “E como pensa fazer a gestão do trabalho tendo filhos pequenos?”

“Estar em teletrabalho é estar disponível 24h”

“A culpa só pode ser dela, para ele ter feito o que fez!”

“Que horror! Pêlos nas pernas e nas axilas? Mas tu não fazes a depilação??” “Lá estás tu com mau humor! só podes estar com o período!”

“Olha lá, o que fizeste tu todo o dia para não estar o jantar feito?”

“Se não consegues acompanhar os nossos filhos é melhor largares esse trabalho!” “Mas quem se julga ela para querer fazer isso?”

“Eehh bonitona, anda cá que eu conto-te uma história”

 

Todas nós, sem excepção, já ouvimos pelo menos uma vez uma destas frases na sua vida. Ditas por homens e até por mulheres.

 

A romantização do dia internacional da mulher, com a oferta de flores faz com que se perca o foco no que realmente importa: oportunidades, direitos e deveres iguais ao longo de todo o ano.

Agora que o dia já passou, durante todo o ano lembrem-se que somos fortes, capazes, respeitáveis e acima de tudo livres. Que até aceitamos as flores, mas que preferimos a igualdade entre homens e a empatia entre mulheres todo o ano e de forma verdadeira. Em resumo, já não queimamos sutiãs, mas não nos ofereçam flores.

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