Já cheira a cal. Manhã cedo, homens de cana em punho e mulheres fazendo “os baixinhos”, enfeitam as ruas. É um quadro vivo que se aprecia. Em o sol batendo nas casas, o quadro branco, quente e o tranquilo, enche-se de cores. Passear pelas ruas de Serpa por esta altura é como andar por entre feixes de luz.
Na vila branca, hoje cidade, isto do branco é levado muito a sério. Especialmente na Páscoa, que é também ocasião das festas do concelho em honra de Nossa Senhora de Guadalupe. O brio da casa caiada e a devoção a Guadalupe são duas coisas que os serpenses levam a peito. Juntam-se as duas nos dias 6, 7, 8, 9 e 10 de Abril.
Por estas alturas, na minha terra, não há buraco na estrada que se descure, nem passadeira mal marcada. Aprumam-se os canteiros das flores tanto quanto as senhoras aprumam os cabelos para seguirem na procissão. Por estas alturas, na minha terra, o orgulho de ser de Serpa cresce como massa levedada.
E vêm os primos, os parentes, os amigos. E toda a gente se passeia pelas ruas, come-se borrego ao almoço e ao jantar, enchem-se as esplanadas de copos vazios. Corre-se à Praça da República para assistir aos concertos, percorrem-se capelinhas nocturnas, bebe-se taças de vinho ao balcão enquanto de ouvem as modas da minha terra: “Oh Serpa de Guadalupe/ das muralhas/ casas brancas/dos poetas e pastores/dos cantes até às tantas” – lá está, branco e Guadalupe, duas palavras sempre presentes.
E as ceifeiras saem à rua mostrando trajes de outrora e com elas fidalgos, romanos e árabes contam a história e a etnografia de uma terra. Guadalupe desce à vila, percorrendo ruas de calçada irregular cobertas de alecrim. Nas janelas penduram-se colchas coloridas para receber condignamente a santa. Lágrimas misturam-se com pétalas de rosa. Em dia de feriado municipal, “terça-feira de Altinho”, o povo leva Guadalupe de volta ao seu altar, na Capela de S. Gens. Come-se o petisco à sombra da oliveira, sempre regado com cantoria e vinho tinto.
Devoção, reencontro e entretenimento, assim se poderia definir a festa da minha terra, organizada todos os anos pela Comissão de Festas em Honra de Nossa Senhora de Guadalupe, um conjunto de pessoas que, abnegadamente, fazem com que a festa aconteça. Ora, acontece que na minha terra, passados cinco dias de festa, por onde todos os anos passam milhares de pessoas, parece que já ninguém se volta a lembrar das festas, a não ser no ano seguinte quando começa a aproximar-se a data. Questiono-me se isto é coisa de cidade nova, ou se é mesmo “mal” das gentes da minha terra, mas o certo é que, ano após ano, há cada vez menos gente interessada em fazer parte da dita comissão. E digo “cada vez menos gente”, para não dizer que não há gente de todo.
Dá trabalho? Dá, muito. As pessoas são recompensadas? Não, não são. Apanham-se muitas dores de cabeça? Fartura delas. Mas o mesmo não acontecerá em freguesias vizinhas como Pias ou Vila Verde de Ficalho, onde cerca de 40 elementos compõem anualmente a comissão que organiza as festas das terras deles? São questões que me apoquentam, estas em relação ao que motiva e move uma sociedade. Ao que faz com que as algumas pessoas se entreguem e trabalhem em prol das suas terras e dos outros e outras não. Em relação ao porque terras como Pias, Vila Verde de Ficalho ou Vila Nova de S. Bento conseguem unir tanta gente em torno de um objectivo comum e em Serpa…nada. É uma coisa estranha esta que acontece na minha terra. Toda a gente tem uma opinião sobre tudo, mas ninguém está para se chatear com nada.
Por estas alturas, na minha terra, o orgulho de ser de Serpa cresce como massa levedada. As ruas estão caiadas, as pessoas aprumadas, as gargantas afinadas. Até quando será assim a festa na minha terra? Até quando será assim a minha terra?
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