Como tal foi de todo impossível, dou comigo a viajar nas notas de anteriores incursões e que agora partilho com os leitores, para assim ficarem com algumas das impressões que me abismaram no país do sol nascente. O Japão.
Depois do primeiro embate com a cidade colosso que é Tóquio e de nos emaranharmos nas labirínticas linhas do metropolitano desta capital, logo me apercebi que não era de todo fácil lidar com a teia e cores que se nos apresentavam, isto e mais o facto da língua inglesa não ser a praia dos gentis japoneses.
Esta é a mais complexa rede de metropolitano em que alguma vez estive. Se pensarmos que serve toda uma população de mais de quarenta milhões de utilizadores, que as carruagens estão sempre imaculadamente limpas; que chegar e partir ao segundo determinado é condição sine qua no; que o silêncio e o respeito pelos outros passageiros é levado tão respeitosamente que me parece estar perto de uma qualquer prática religiosa.
Escrevo já no terceiro dia a bordo de um comboio -bala que viaja a mais de 400 km por hora onde a comodidade, a limpeza e a cordialidade são alguns dos substantivos com que me apetece descrever esta experiência de viagem.
Regressemos pois ao nosso primeiro dia nesta cidade asiática que se me afigura tão diferente das outras que conheço, que me apetece descrevê-la com os detalhes que me ocorrerem.
O primeiro que me ocorre é a sincronia, a disciplina, a ordem com que os cidadãos de Tóquio se movimentam.
A cidade está organizada em torno de uma perfeita linha de variados transportes, o que faz com que o tráfego de superfície seja quase inexistente, se exceptuarmos os táxis e transportes de mercadorias.
Se falarmos de transportes, surpreendeu-me o facto de na capital nipónica as motos e motorizadas serem praticamente inexistentes, o que faz deduzir que a perfeição e profusão das redes de transportes terão algo a ver com esta opção.
Neste primeiro dia, dedicámo-nos a conhecer a cidade a pé, o que se revelou uma opção mal calculada, tais são as distâncias entre pontos de interesse.
Eu, que ando nisto e na vida a fazer jogos mentais, logo me entretenho a imaginar as vidas desta gente solícita e cordial que não pára de me surpreender.
Uma das coisas que me causaram surpresa foi o facto de ser proibido fumar na rua (excepto em fumódromos autorizados), havendo mesmo uma penalização de 2.000 ienes para quem prevaricar, ao passo que nas populares, barulhentas e milhentas salas de jogos electrónicos, é permitida tal prática.
Esta é uma cidade cosmopolita e excêntrica onde a modernidade casa com a tradição de uma maneira que ainda não consigo explicar.
Dou como exemplo as várias mega-lojas onde a banda desenhada é o único produto comercializado nas suas mais variadas vertentes. Vi desde cromos a tatuagens, romances de autores afamados ou mesmo um departamento de pornografia todo ele em bonecos animados.
Noutra loja, vendem-se roupas as estes virtuais heróis dedicadas, sendo que existe toda uma geração de carne e osso que encarna estas personalidades de tal maneira que se vestem, maquilham e penteiam da mesma forma que elas, causando neste pobre mortal a estranha sensação de que quanto mais viajo mais me espanto.
De volta aos transportes, reparo que as estações de metro para além de organizadas, têm sempre alguém disponível para nos ajudar.
Fui pedir informações a um funcionário da estação que parecia estar desejando ser útil, tal a sofreguidão com que de mim se abeirou. Prestabílissimo, logo sacou de um mapa onde rabiscou a solução para o caminho que me estava a confundir. Depois da informação prestada, do salamaleque do agradecimento, perguntou quantos éramos? Disse quatro. Sacou da sua carteira e ofereceu-nos quatro origamis feitos por si. Tocou-nos fundo o gesto e, eu, fiquei a admirar e respeitar ainda mais esta gente.
De regresso ao comboio-bala onde viajo a mais de 400 km por hora, só se ouve o zunido quase imperceptível desta serpente gigante a cortar o ar. Dentro da carruagem onde me sento a escrever, não se ouve uma mosca, excepto quando o meu amigo João António (mesmo em voz baixa – o que é para ele um esforço olímpico– resolve interpelar-me).
Esta educação levada ao esmero, se por um lado me impressiona, por outro castra-me os sentidos, obrigando-me a ter em atenção todas as minhas atitudes.
Uma pessoa assoar-se é considerada má educação. Apontar o dedo uma ofensa. Falar alto (ou mesmo apenas falar) uma atitude inapropriada de entre múltiplas outras convenções que aos poucos vou descobrindo.
Reparo que crianças de uns seis ou oito anos andam de metro sozinhas, deslocando-se de casa para a escola utilizando este meio de transporte. Muito aperaltadas nos seus uniformes escolares, são o exemplo de que de pequenino é que se torce o destino. Na retina fiquei com a sensação de que a segurança em que vivem tem tudo a ver com esta atitude.
Em Tóquio não existem caixotes de lixo, pelo simples facto de que não há lixo. Cada um é responsável pelo seu. Absolutamente surpreendente! Depois descobri que no resto do Japão a prática é a mesma.
(continua)
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