A Sinusite ou como o mundo era perfeito se eu ouvisse e respirasse bem

Quinta-feira, 17 Setembro, 2020

Ana Ademar

actriz

Pus-me a pensar no verdadeiro sentido da vida, o que me impede de ser feliz. Quem sou, de onde venho, para onde vou? O que está a atrasar o meu destino: a paragem da felicidade eterna. Concluí que de entre muitos obstáculos, o que mais se impõe de momento é a sinusite.
O entupimento generalizado que provoca é meio caminho andado para perder o rumo ao mundo. Ora como, expliquem-me, posso eu ser uma cidadã interventiva, activa, dinâmica, informada, como posso eu ser uma mulher desembaraçada, trabalhadora, inspirada, de sucesso, gira e feliz quando os sons me chegam como se tivesse uma concha em cada ouvido, quando não consigo focar a vista sem que me corram lágrimas pela cara abaixo, quando não consigo dar uma respiradela mais funda sem tossir, quando o nariz se recusa a deixar entrar o ar e ainda assim se mostra ao mundo orgulhoso, vermelho, inchado? Naturalmente que não posso.
Se juntarmos à costumeira “sinósite” a tão popular “renhite” dá-se o festival dos entupimentos, comichões, lágrimas e espirros. E não raras vezes as duas já referidas ainda acham graça e inventam umas faringites e/ou laringites. Amigdalite não, porque já não possuo o que a podia originar.
Há uma coisa que me agrada nisto tudo: a rouquidão. Gosto de me ouvir quando a voz fica grave, baixinha, sexy… faz-me sentir uma femme fatale (desde que longe de espelhos ou vidros). Mas até isso me querem roubar! Como é possível ignorarem o imenso sex appeal da minha voz e me perguntarem ao telefone com um tom claramente reprovador “estavas a dormir?!”. Eu, sem ocultar o ego ferido respondo: “Estou doente!”, “Ah! O que é que tens?” e eu, impregnando a palavra com uma atmosfera trágica, marcando bem as sílabas para que se perceba que o caso é sério: “Si-nu-si-te!”. “Ah…” e metralham o assunto pelo qual ligaram primeiramente ignorando o meu mal.
O outro senão da minha voz sexy é, de vez em quando, ter de interromper um qualquer discurso melodioso, em que soa uma sílaba, outra não, com uma valente cornetada vinda mais de cima – da penca. Que não sendo pequena, não é nenhuma aberração, mas ainda assim produz, nestas ocasiões, uma quantidade inimaginável de muco. O que nos leva a um problema comum, mas sendo tabu, ninguém fala nele: o lenço ranhoso no bolso. Ninguém pode dizer que nunca lhe aconteceu: guardar no bolso o fiel depositário daquilo que não se quer nas fossas nasais e passado um momento, meter a mão à bruta pelo bolso adentro enfiando os dedos pelo meio do húmido e pegajoso…
A mim isso não acontece, porquê?! Uma vez que a genética não me abençoou com uma anca estreita e/ou magra, antes, me prendou com anca de parideira, coberta com uma generosa camada adiposa, não convém chamar a atenção para o sítio, certo?! Vai daí, não meto coisas nos bolsos. Sim, tenho de andar sempre de mala, mas antes marreca que gorda!
Este texto sobre muco, entupimentos nasais e outros, devia estar a ser publicado por altura das constipações e gripes, que há uns anos era agora. Como não deixa de ser Verão sendo Outono, e quando assim é nunca há assunto, resolvi escreve-lo à mesma, numa espécie de evocação de tempos idos, em que havia uma lógica no mundo e ela estava assente no facto de termos quatro estações com dias certos para começar. E tudo era perfeito.

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