A Feira de Castro chega inevitavelmente com o outono, como um velho amigo que regressa sem nunca falhar, que traz consigo o cheiro da terra molhada, o frio que se anuncia nas geadas matinais e a promessa de reencontros marcados ano após ano.
Não é apenas uma feira, é um coração que pulsa no Baixo Alentejo. Um ritual antigo que atravessa séculos e se reinventa a cada geração. Em Castro Verde, durante o terceiro fim de semana de outubro, o tempo parece suspender-se: o passado cruza-se com o presente e o futuro aprende a nascer no meio das barracas, da vozearia, dos cantares e das memórias.
Diz-se que a Feira de Castro já se realizava no século XVII, quando mercadores, almocreves e lavradores vinham da serra e da planície, trazendo consigo gado, azeite, lã e cereais. Era então o lugar onde se comprava e vendia, onde se fazia negócio de sol a sol, mas também onde se bebia vinho, se provava pão quente e se afinavam os instrumentos para uma moda cantada. Hoje, apesar da tecnologia e dos mercados globais, a feira mantém essa alma, essa teimosia em resistir ao tempo, como se dissesse: “Aqui, enquanto houver gente, haverá feira.”
Ao entrar na vila por esses dias, os sentidos são sacudidos. Um mar de gente aporta a este cais transtagano. O cheiro da castanha assada mistura-se com o do frango assado, com o fumo que se eleva das barracas de comes e bebes, com o ruído exagerado dos carroceis ou com o aroma adocicado das filhós e das farturas.
As ruas enchem-se de sons: pregões que chamam, vozes que regateiam, risos que se espalham, abraços dos que se encontram e sempre, inevitavelmente, o cante alentejano, ecoando como um rio de clamores que nunca se cansa de correr. Há violas de arame que dedilham modas antigas, há vozes que sobem em coro ao pedestal da insanidade, lembrando que este povo canta para existir.
Os olhos encontram de tudo: bancas de artesanato, mangas de chouriços penduradas como rosários profanos, mantas de lã que ainda cheiram a campo, brinquedos de madeira que sobrevivem à pressa dos plásticos modernos.
Mas a Feira de Castro é mais do que um mercado: é um território de fé e de afetos. É para lá que os que partiram regressam. Os emigrantes voltam, nem que seja só por uns dias, para sentir o chão antigo debaixo dos pés e abraçar os que ficaram. É lá que se marcam encontros, que se renovam amizades, que se trocam histórias e se adivinha o futuro nos olhos dos mais novos. Muitos casais começaram ali, entre uma escapadela e um baile, entre um olhar roubado e um bilhetinho trocado. A feira é também uma escola de humanidade.
Quando a noite cai sobre a vila, a feira acende-se num mar de luzes mortiças, em vozes mais altas, em grupos que arrastam corpos cansados mas felizes. Os passos tornam-se trôpegos, os copos multiplicam-se, e a calada da noite chega quase sem se dar por ela.
O frio da planície corta, mas o calor humano abranda-o. E há sempre quem diga: “A feira este ano, é que foi como antigamente.” No fundo, a Feira de Castro não é apenas um evento: é um rito de passagem que se repete, um espelho onde o Alentejo se vê e se reconhece. Entre o negócio e a festa, entre a devoção e a boémia, ela guarda a identidade de um povo que insiste em celebrar-se, mesmo quando o mundo parece correr depressa demais.
Outubro sem Feira, seria um outono sem colheita, um tempo sem sabor. Com ela, o Alentejo respira fundo e lembra-se de que a vida, apesar de dura, também sabe ser encontro, festa e emoção.

Odemira recorda Amália Rodrigues
Amália Rodrigues, a maior fadista de sempre, vai ser recordada no concelho de Odemira neste sábado, 4 de outubro, numa iniciativa da Associação Cultural de