No dia do seu funeral, o “CA” republica uma reportagem de Carlos Pinto com José Veiga Trigo, publicada a 27 de abril de 2007. O antigo árbitro internacional natural de Beja faleceu nesta terça-feira, 1, no hospital da cidade, onde estava internado há alguns dias após ter sido vítima de um acidente vascular cerebral (AVC).
Vinte de Maio de 1987. A selecção de Espanha, onde sob as ordens do histórico Miguel Muñoz pontificavam nomes como Zubizarreta, “Rafa” Gordillo, Míchel ou Butragueño, defrontava a poucos quilómetros de Madrid, em Alcalá de Henares, a desconhecida Malta. Do resultado poucos se lembram, mas o jogo ficou para a história da arbitragem nacional por ter sido o primeiro de José Alberto Veiga Trigo com as insígnias da FIFA.
“A nossa primeira internacionalização é quase como quando nos estreamos enquanto árbitro. Estava um bocado nervoso, mas o jogo correu bem. A Espanha tinha uma excelente equipa e o futebol de Malta tinha pouca expressão perante a Europa. No final, o delegado ao jogo, um senhor francês, deu-me a nota máxima”, recorda ao “Correio Alentejo” Veiga Trigo.
A arbitragem entrou cedo na vida de José Alberto Veiga Trigo. Jogador nas camadas jovens do Desportivo de Beja, aproveitava os jogos no Liceu para ir dirigindo algumas partidas. Foi num desses jogos que acabou por ser convidado pelo então presidente do Conselho de Arbitragem (CA) da Associação de Futebol de Beja (AFB), Armando Nascimento, a ser mesmo árbitro em provas oficiais. “De um dia para o outro passei de suplente a fiscal de linha num jogo da minha equipa”, recorda.
O primeiro jogo como árbitro principal não tardaria. Foi em Cuba, onde o Sporting local defrontava o Despertar uma semana depois de, no mesmo terreno, se terem verificado agressões à equipa de arbitragem. Todos os árbitros do distrito se recusaram a dirigir o jogo em causa. Avançou o então jovem e temerário Veiga Trigo.
Hoje, já com 55 anos, o bejense é ainda recordado pela maioria dos adeptos como um dos melhores árbitros portugueses de sempre. “A nível nacional, a minha carreira foi digna e honesta, com um grande valor”, afirma, classificando como momentos altos o facto de ter dirigido, na mesma época, os três dérbis, além das passagens pelo Jamor onde dirigiu duas finais da Taça de Portugal em anos consecutivos.
“É um marco para qualquer árbitro. Fica sempre gravado a passagem de um árbitro pelo Estádio Nacional”, assinala.
Por oposição, Veiga Trigo reconhece não ter sido “tão feliz” no plano internacional. “Naquela altura havia sete galos para um poleiro e o galo que foi ‘apadrinhado’ foi o Carlos Valente. Sou íntimo amigo dele e penso que o Carlos Valente fez uma excelente carreira a nível internacional. Só lhe faltou a final duma competição europeia”, nota.
Veiga Trigo chegou à 1ª Divisão na época de 1978-79, estreando-se num Belenenses-Boavista, e até ao Desportivo de Chaves-Sp. Braga de 1995-96, jogo em que se despediu do apito, cultivou sempre a imagem de um árbitro duro no contacto com os jogadores e implacável na aplicação das leis do jogo.
“Uma das minhas bases era combater a indisciplina. E a outra era combater os caceteiros. Porque havia que proteger os artistas da bola. Talvez por isso eu não gostasse de intromissões no meu trabalho. Daí ter criado a imagem de árbitro duro, de árbitro que não deixava passar nada. Mantive essa linha até ao fim e saí-me muito bem”, observa.
Das quase duas décadas em que passou pelos principais relvados do país, tanto lembra a virilidade dos “dragões” Jorge Costa, Fernando Couto ou André como a classe dos benfiquistas Mozer ou Humberto Coelho. Recorda igualmente os “golos espectaculares” e as “jogadas lindas” que observou de posição privilegiada e que quase sempre valiam uma palavra de reconhecimento ao seu autor.
“Ao contrário do que as pessoas dizem, eu era um árbitro que dialogava muito dentro do campo. E como tal, criei grandes amizades no futebol”, conclui.
Nas intrigas futebolísticas que marcam o dia-a-dia, há sempre alguém que, do alto da sabedoria própria duma mesa de café, assevere: “O que faz falta são árbitros como o Veiga Trigo”. “Não tenhamos a menor dúvida que os árbitros estão hoje mais expostos à crítica. Os meios técnicos audiovisuais evoluíram muito. E como tal, hoje vai buscar-se o mais pequeno erro que os árbitros possam ter”, afirma o ex-juiz bejense quando confrontado com esta visão dos adeptos.
Ainda assim, e apesar de reconhecer que “a técnica evoluiu muito”, Veiga Trigo não deixa de tecer algumas críticas aos árbitros da actualidade. Por um lado, afirma, porque o “Apito Dourado” fez com que “durante anos e anos” não subissem os melhores. Por outro, porque os árbitros de hoje andam “a tentar imitar-se uns aos outros”.
“A maneira de arbitrar dos árbitros portugueses é quase toda igual. Há que criar a sua própria imagem e estilo. Mas neste momento, estou a ver todos os árbitros de Portugal a arbitrarem da mesma maneira”, observa, reconhecendo simpatizar com o modo de estar no campo de Pedro Henriques.
E os árbitros de Beja? Têm qualidade para chegar de novo à 1ª Divisão? Veiga Trigo é peremtório: “No distrito há falta de qualidade e penso que o CA de AFB já devia ter feito uma ‘limpeza’. Há árbitros que neste momento não deviam estar a pisar os campos do Baixo Alentejo, porque já têm muitos vícios. E ao mesmo tempo, ao integrarem jovens árbitros nessas equipas, eles vão adquirindo os mesmos vícios. É preferível ficar com os bons que com ruins”.