Artesã de Odemira decifra telas históricas

Artesã de Odemira

Olhando para “O Enterro do Conde Orgaz” ou “Vista e Plano de Toledo”, obras maiores na pintura de El Greco (artista greco-espanhol do século XVI), há muito mais para além dos seus traços de cor e luz fantasmagóricos. Por debaixo surge uma tela de linho, mais grossa que o habitual, padronizada e pouco ou nada referenciada por críticos e historiadores de arte. Mas é precisamente esta camada invisível ao olhar de todos nós, presente nas obras de El Greco (mas também de Ticiano, Caravaggio ou Velásquez), que a neerlandesa Helena Loermans tem vindo a dar a conhecer ao mundo a partir da vila de Odemira.
O projecto “Lab O” nasceu em 2017, quando Helena recebeu no seu atelier a jovem polaca Marta Pokojowczyk, estudante de História de Arte e Pintura, no âmbito do programa “Erasmus Jovens Empreendedores”. “Começámos a fazer telas com uma textura mais grossa, diferente, mais complexa que o normal, que é tafetá”, recorda a artesã ao “CA”.
Até que um dia, continua, uma visitante do atelier falou a Helena sobre o facto de muitos pintores dos séculos XVI e XVII utilizarem, à época, telas com padrões. “Falou-me em pintores espanhóis, e quando fui procurar na Internet encontrei um desenho técnico da tela em que El Greco pintou a sua obra-prima, ‘O Enterro do Conde de Orgaz’”, revela a tecelã.
Estava assim dado o mote para o “Lab O”. “Comecei a reconstruir esse padrão e depois fui pesquisar e descobri que o Ticiano também pintou sobre estas telas, assim como o Caravaggio ou Velázquez… E percebi que no mundo não há ninguém a fazer isto. Mais: a tela como suporte na pintura é sub-estimada. Há muito pouca informação”, observa.
Para chegar até ao padrão das telas Helena Loermans recorre à sua formação de analista médica e às imagens de raio-x das pinturas originais que lhe são enviadas pelos museus (ainda recentemente viu aprovado o seu pedido ao Museu do Prado, em Madrid). “É um trabalho que demora bastante tempo. Mas à medida que vamos procurando uma coisa vamos encontrar cada vez mais”, diz a tecelã, considerando que este projecto tem a mais-valia de ligar “o artesanato à ciência, à história e ao empreendedorismo”.
O trabalho de Helena Loermans sobre estas telas esteve recentemente em exposição em Odemira, no novo espaço CRIAR, da associação de artesãos CACO. Mas desde que Helena e Marta iniciaram este projecto que as suas descobertas já foram apresentadas a diversos conservadores e outros especialistas do mundo nas áreas têxtil e da história da arte, inclusive na conceituada Universidade de Yale, nos EUA.
“A maior parte das pessoas – até dentro deste ramo – não faziam ideia disto. E muita gente até questiona por que será que nunca ninguém se lembrou disto?”, frisa, sorridente, Helena Loermans.
Com o “Lab O” a tecelã neerlandesa (e odemirense) espera dar a conhecer a(s) história(s) por detrás das telas. Mas também dar destaque a algo que, na maior parte das vezes, é pouco valorizado pelos artistas. “Sei que há muito investimento, entre os pintores amadores, nas tintas, nos vernizes, nos pincéis… Mas nunca ouvi nenhum dizer alguma coisa sobre a tela. Foi sempre um aspecto sub-valorizado”, diz, para logo acrescentar: “Por isso, é claro que gostava de ver os pintores usarem estas telas que estou a reconstruir. Mas também algum artesão ou empreendedor pegar nisto e fazer produção”.

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Correio Alentejo

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