Nuno Seno, natural de Aljustrel, dirige uma empresa ligada à área da energia em Fortaleza, no Brasil, e conta ao “CA”, em discurso directo, como está o “gigante” da América do Sul a lidar com a pandemia da Covid-19.
“Aqui no Brasil, vivemos um estado de crise devido ao Covid-19 muito semelhante ao que aconteceu na Europa e em Portugal. Como a epidemia veio do Oriente para o Ocidente, o Brasil teve teoricamente um maior tempo de preparação, tanto ao nível de medidas médicas como em medidas táticas, pois assistiu aos movimentos que foram realizados desde a China até à Europa para deter o avanço do vírus.
No entanto, vivemos aqui uma situação política-económica diferente da maior parte das nações do mundo, pois temos um comportamento dos estados do Brasil, sob a liderança de seus governadores, a imporem medidas de isolamento social, proibição de voos internacionais, encerramento de restaurantes e bares e declaração de Estado de Emergência e calamidade pública, à semelhança do que sucede em Portugal e recomendado pela OMS, mas por outro lado temos um Presidente do Governo Federal [Jair Bolsonaro] que apela diariamente a todos que façam apenas isolamento vertical, ou seja apenas os grupos de risco devem ficar isolados e que o resto da população tem que ir imediatamente trabalhar, pois diz que o Covid-19 é apenas uma ‘gripezinha’, ou seja protegendo o lado económico do problema.
A estrutura de suporte médico aqui no Brasil não tem recursos infinitos como a maior parte do mundo, no entanto conta com um serviço nacional de saúde que está pulverizado pelo Brasil e que estão a tentar reforçar para absorver o impacto do Covid-19, mas a postura do Presidente está a preocupar todo o universo técnico pois pode comprometer a curva desejada de casos infectados, colapsando o sistema nacional de saúde.
Como aí, os esforços são para achatar a curva de crescimento de casos, para que o sistema nacional de saúde consiga responder eficazmente.
No meu caso pessoal, onde sou presidente de uma empresa de energia, fazemos parte de um grupo restrito de serviços que estão obrigados a trabalhar para garantir que o confinamento social, hospitais e outros centros estratégicos continuem a trabalhar.
No entanto, embora com trabalho e produção garantida, temos o nosso resultado empresarial hipotecado e observando uma queda de 30% na nossa produção, pois tomámos internamente as medidas cabíveis, como teletrabalho, aquisição de equipamentos de protecção individual, afastamento social e etc..
Mas a nossa queda de produção está sendo impactada pelo alarmismo social e aproveitamento individual, onde em três dias recebemos mais de 80 atestados médicos com afastamento por 14 dias. Ou seja, mesmo um serviço que não deveria ter um impacto económico grande, vai ter na mesma pelos motivos explicados atrás.
Como tal, na minha opinião pessoal e contrariando as decisões do nosso Presidente, suspender o confinamento social não vai alavancar a produção, pois a mesma irá cair pelo afastamento enorme de casos de pessoas suspeitas ou infectadas.
Na verdade a Economia é para as pessoas e as pessoas fazem a Economia, logo este ciclo combinado entre ambas tem que ser equilibrado para que possamos minimizar o impacto desta crise, bem como a injecção rápida de capital sem juros ou juros negativos, para protecção social das pessoas e das empresas que cairão sem ajuda. Aqui as medidas económicas ainda não são suficientes, com o agravante de que o Brasil está numa crise financeira há seis anos consecutivos.
Hoje convivo com muita preocupação social, pois temo pelo crescimento desordenado de casos infectados aqui, mas também pelo impacto económico nas empresas desta crise actual e futura, pois teremos uma recessão pós Covid-19 e teremos que nos reinventar para sobreviver. Talvez nada seja igual como antes, à semelhança do que aconteceu com a Gripe Espanhola em 1918.”
Leia a reportagem sobre como estão os emigrantes do Baixo Alentejo a enfrentar a pandemia da Covid-19 no "CA" de 3 de Abril, já nas bancas