Presidente da ACOS. “Ovibeja faz falta à cidade, à região e ao país”

A uma semana do arranque da 38ª edição da Ovibeja, o presidente da ACOS, entidade que organiza o certame, assume que se sente “uma grande expectativa face à realização desta feira”. Em entrevista, Rui Garrido acrescenta que há uma grande vontade de convívio e de encontro por parte de todos os participantes.

Esta 38ª Ovibeja retoma um ciclo de normalidade, depois de não se ter realizado durante um ano e, no outro, ter sido feita apenas de forma virtual. Que Ovibeja vai ser esta?

Há um sentimento generalizado relativamente à realização desta Ovibeja. As pessoas estão ávidas de convívio, de saírem de casa e de terem um estilo de vida diferente daquilo que tem sido habitual nestes dois últimos anos. E nota-se que a Ovibeja é um acontecimento que faz falta aqui à cidade, à região, ao país. Há uma expectativa muito grande face à realização desta Ovibeja.

E têm encontrado alguma dificuldade neste retomar do ciclo das Ovibejas “físicas”, depois dos dois anos de paragem?

Não estamos a sentir dificuldades especiais, embora possam existir algumas reticências por parte não só de visitantes, mas dos próprios expositores. Temos sentido isso, num ou noutro caso, sobretudo a partir do momento em que começou a guerra na Ucrânia essas reticências avolumaram-se um pouco mais, mas as coisas estão a correr bem em número de expositores e, esperamos também, que aconteça o mesmo com os visitantes.

Houve outros problemas decorrentes deste período em que a feira não se realizou?

Nestes dois anos o Parque de Feiras [“Manuel Castro e Brito”] não teve muita utilização e estava degradado nalguns aspetos. São sempre necessárias melhorias e é o que temos vindo a fazer, não só da parte da ACOS, como da Câmara Municipal [de Beja]. Fizemos grandes investimentos aqui no Parque para que se mantenha atrativo e com as condições necessárias, embora com a rusticidade que todos reconhecem, para que as pessoas se sintam aqui bem.

“As pessoas estão ávidas de convívio, de saírem de casa e de terem um estilo de vida diferente daquilo que tem sido habitual nestes dois últimos anos.

Quais foram os maiores melhoramentos feitos no Parque de Feiras e Exposições?

Começámos a remodelar a zona da restauração, que tinha condições que não eram as melhores. Este ano remodelámos três cozinhas, para o ano mais três e depois o resto. Criámos uma avenida nova logo à saída do “Pavilhão das Lãs”, em direção aos restaurantes. Recuperámos também o picadeiro grande, que tinha o piso junto às bancadas cheio de buracos, muito degradado e onde a água se acumulava. Houve também um grande investimento no “Pavilhão dos Sabores”, que tinha o teto muito degradado, e também algumas pinturas e renovações em geral. Nos pavilhões mais antigos, de madeira e com chapas metálicas também começámos a intervir, nomeadamente na parte das madeiras. Não conseguimos fazer tudo, por isso é um trabalho de manutenção que tem que continuar todos os anos.

Vão existir alterações no desenho habitual da feira?

Não muitas, mas existem algumas pequenas alterações, que vamos ver se resultam. Na avenida principal, nos dois últimos anos de feira, havia uma tenda grande com espaços de petiscos, sandes, bifanas, etc., vamos transferi-la para o espaço de estacionamento junto ao “Pavilhão das Lãs”, que estava sempre ocupado por carros e camiões dos restaurantes, libertando um pouco toda aquela área. O resto da feira será em tudo semelhante aos anos anteriores.

Mantém-se o comboio do cante e a reunião de cantadores da zona de Lisboa na Feira?

Claro que sim. Já é uma tradição que é preciso manter a do comboio do cante que traz os grupos da zona de Lisboa para a Ovibeja.

E que mais?

Temos também os espetáculos habituais que, neste caso, eram aqueles que estavam contratados para a Ovibeja de há dois anos e que decidimos manter dada a sua reconhecida qualidade. Mantemos também as provas de cavalos que têm sido uma marca da Ovibeja e, no primeiro dia da feira, aproveitando a presença do Presidente da República [Marcelo Rebelo de Sousa] na inauguração, contaremos também com a participação da Charanga da GNR, que é sempre um espetáculo muito bonito.

“Neste momento, não está apenas em causa como alimentar o planeta, mas também que capacidade terão os agricultores de o fazerem, uma vez que o aumento das despesas e dos fatores de produção tem sido brutal.”

O tema este ano da Ovibeja, “Como alimentar o planeta?”, é de grande atualidade, sobretudo desde que começou a guerra na Ucrânia e em que os preços dos fatores de produção subiram em flecha. A situação que hoje se vive é complexa para os agricultores, para aquele que produzem os alimentos?

Esta guerra veio trazer ainda mais pertinência, digamos assim, ao tema da Ovibeja deste ano. Neste momento, não está apenas em causa como alimentar o planeta, mas também que capacidade terão os agricultores de o fazerem, uma vez que o aumento das despesas e dos fatores de produção tem sido brutal. Mas não é apenas o aumento dos custos, mas também as matérias-primas que vão faltar – e que já estão a faltar – devido à situação de guerra. Fala-se das matérias-primas e, sobretudo, cereais e oleaginosas, de que a Rússia e a Ucrânia são grandes produtores, 30% dos quais importados pela União Europeia, mas começa-se também a notar que podem começar a faltar os fertilizantes, que é a nossa grande preocupação. Se não houver fertilizantes como é que se conseguem produzir alimentos?

É uma conjuntura complexa.

Esta conjuntura veio, de facto, agudizar a questão, que dá mote à Ovibeja, de como alimentar o planeta. E sobre este tema vamos ter uma feira recheada de debates e troca de opiniões. Daí que tenhamos organizado uma grande conferência subordinada a este tema, que vai ter oradores de grande prestígio como o antigo ministro da Agricultura, António Serrano, o antigo ministro e líder do CDS, Paulo Portas, um investigador responsável pelo Laboratório Colaborativo InnovPlantProtec, Pedro Fevereiro, e também a secretária-adjunta da FAO, Maria Helena Semedo, que estará presente “via” Zoom.

As sanções e as restrições ao comércio com a Rússia estão a afetar os agricultores portugueses e, particularmente, os alentejanos?

Afeta sempre, mas talvez a agricultura alentejana, no conjunto da agricultura nacional, seja, no curto prazo, a menos afetada. Os dois grandes setores em que as sanções mais se fazem sentir são o dos vinhos, sobretudo mais da zona dos vinhos verdes, e o do leite. Nos outros setores, a situação, para já, não é tão grave, mas apenas no curso prazo. A um prazo mais longo tudo será diferente.

É mais complicado ao nível das importações desses países e não das exportações?

Para já, sim. Como disse antes, o grande problema que estamos a sentir e que poderá afetar algumas culturas de primavera, nomeadamente o milho, é o aumento brutal dos fatores de produção, uma vez que depois não há a garantia de que o preço de venda vai cobrir o volume da despesa. No que respeita à pecuária, este conflito veio agravar significativamente o aumento dos preços das rações que já se estava a fazer sentir nos últimos meses por força da seca, atingindo neste momento preços proibitivos.

“Nós o que queremos é que a ministra da Agricultura nos oiça, oiça os agricultores. A ministra agora faz parte de um governo que é para quatro anos e é preciso que trabalhe connosco.”

O Governo tomou posse há menos de um mês. A ministra da Agricultura é a mesma, vem do anterior executivo. Como é que os agricultores (e a ACOS) vêm esta recondução de Maria do Céu Antunes?

Nós o que queremos é que a ministra da Agricultura nos oiça, oiça os agricultores. A ministra agora faz parte de um governo que é para quatro anos e é preciso que trabalhe connosco, oiça a lavoura, oiça as nossas opiniões, isso é fundamental num ministro e é nesse sentido que a convidamos para vir à Ovibeja.

E isso não tem acontecido com esta ministra?

Por vezes não tem acontecido. São conhecidas as desavenças que têm havido em determinados momentos entre ministra e a CAP, que é a nossa confederação. Por isso, o que desejamos é ter uma ministra que oiça e trabalhe com a lavoura, porque torna tudo mais fácil para ela e também para nós, porque há mais possibilidade de chegarmos a consensos. Esperamos que a senhora ministra e o senhor secretário de Estado venham à Ovibeja, teremos assuntos para tratar e queremos transmitir esta mensagem de diálogo que consideramos que é fundamental. É preciso estarmos todos em sintonia, numa altura em que temos pela frente tempos muito difíceis. É isso que nós desejamos.

Neste Governo, o peso do Alentejo, em termos de responsáveis políticos, é nulo. Isso pode tornar mais difícil o diálogo entre os agricultores alentejanos e o poder político? A voz do Alentejo vai ter maior dificuldade em fazer-se ouvir?

Nós esperamos que não, apesar de antes da formação do Governo se ter falado muito em ministros alentejanos. Só para ministro da Agricultura falava-se em três possíveis candidatos. Afinal não ficou nenhum. Neste momento, eu pessoalmente, não quero pensar que isso possa acontecer.

A atenção dos agricultores também tem sido marcada pela seca que se tem feito sentir. A chuva neste início de primavera alterou alguma coisa?

É evidente que melhorou um pouco. Há mesmo zonas, no sul do distrito de Beja, com solos mais fracos, em que estas chuvas provocaram logo escorrimentos e encheram pequenas charcas e pequenas barragens utilizadas para o abeberamento do gado. O facto das temperaturas também não terem sido muito altas, também foi positivo. Mas o que choveu foi pouco para repor as pastagens e os agricultores continuam a alimentar o gado usando forragens conservadas e palhas que tinham e comprando rações cujos preços, como já dissemos, também estão cada vez mais altos. E, mais uma vez, com a possibilidade de faltarem no mercado. A mesma situação verificou-se com quem faz agricultura biológica, em que faltam os produtos para alimentar o gado. E aqui houve, e bem, abertura do Ministério da Agricultura para que pudessem ser utilizados outro tipo de alimentos da agricultura convencional. Mas, quando choveu, havia já prejuízos provocados pela seca que são irrecuperáveis, quer nas pastagens/forragens, quer nos cereais, quer nas oleaginosas de outono/inverno, como a colza.

“O que choveu foi pouco para repor as pastagens e os agricultores continuam a alimentar o gado usando forragens conservadas e palhas que tinham e comprando rações cujos preços, como já dissemos, também estão cada vez mais altos.”

Houve várias reivindicações dos agricultores para fazerem face à seca. Tiveram respostas por parte do Governo?

Nalguns casos sim, como no caso das medidas para a agricultura biológica, de que já falei. A possibilidade de pastoreio nos pousios também já foi tomada. Não nos interessam linhas de crédito, porque alguns agricultores já não conseguem aceder e outros ficam ainda mais endividados. Havia uma série de outras medidas que tínhamos vindo a falar e poderão ser equacionadas se a situação o justificar, entre elas a “eletricidade verde” e a necessidade de existir um seguro de colheitas que cubra situações de seca. Já houve a “eletricidade verde”, que acabou no tempo do ministro Jaime Silva, e que hoje se justificava porque os custos de energia são brutais nas explorações agrícolas, sobretudo nas de regadio. Quanto ao seguro de colheitas voltamos sempre a ele e é preciso que a própria seca seja um sinistro para que o seguro cubra, como acontece aqui na nossa vizinha Espanha. São duas coisas que só se fazem com vontade política. O aumento dos fatores de produção justificaria também a existência de ajudas diretas, que já existiram no passado.

Voltando à Ovibeja, a organização pensa manter este ano o mesmo número de expositores e de visitantes? Ou preveem alguma quebra?

Esperamos que a afluência anterior se mantenha e também sensivelmente o mesmo número de expositores.

Em termos de orçamento, a feira também cresceu?

A Ovibeja é feita com o orçamento exclusivo da ACOS, que é uma associação de agricultores, e tem um custo hoje em dia muito elevado, que subiu mais 20% relativamente às edições anteriores. A imagem da ACOS está muito ligada à da Ovibeja e ninguém pensará que amanhã vamos deixar de fazer a Ovibeja, mas é necessário haver um equilíbrio financeiro e, para isso, é imprescindível uma grande adesão das pessoas, como tem havido até aqui. A Ovibeja faz-se unicamente com o apoio financeiro dos patrocinadores e com o dinheiro da venda dos espaços de exposição e da venda de ingressos. Pena é que não tenhamos acesso a nenhum apoio estatal, para além daquele que nos é facultado pelos nossos patrocinadores.

Os bilhetes vão aumentar nesta edição?

Sim. Tivemos que fazer um pequeno acerto no custo dos stands e no preço dos bilhetes, que vão custar mais um euro. Mas vão existir também pulseiras para vários dias e vários descontos, como tem sido habitual.

O Concurso Internacional do Azeite não esteve parado nestes anos de pandemia. Voltou a realizar-se este ano. A situação atual não prejudicou a sua dimensão mundial?

Não! O Concurso Internacional de Azeites Virgem Extra – Prémio CA Ovibeja voltou a ser classificado como o melhor do mundo, em paralelo com o Mario Solinas, organizado pelo Comité Oleícola Internacional (COI), o que evidencia o seu prestígio. Também aqui introduzimos este ano algumas alterações, uma delas termos passado pela primeira vez a cobrar a inscrição, uma quantia simbólica de 100 euros por amostra de azeite, muito menor do que em outros concursos do mesmo tipo que se fazem por esse mundo fora.

E o número de participantes manteve-se?

Este ano tivemos menos participantes do que gostaríamos. Tivemos na casa dos 100 participantes enquanto em edições anteriores andava à volta dos 150 ou 160. Vamos ter que analisar porquê e ajustar o regulamento do concurso de modo a captar mais concorrentes. No entanto, o concurso manteve uma alargada distribuição geográfica, com a receção de amostras de 11 países, desde a Argentina, Marrocos, Argélia a Israel ou à Grécia, o que revela bem o interesse mundial deste concurso.

A Ovibeja é feita com o orçamento exclusivo da ACOS, que é uma associação de agricultores, e tem um custo hoje em dia muito elevado, que subiu mais 20% relativamente às edições anteriores.”

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