“Perdemos a liberdade de um dia para o outro”

“Perdemos a liberdade

A residir em Dublin, capital da República da Irlanda, onde trabalha numa instituição bancária, Catarina Cardoso da Palma, natural dos Namorados (Castro Verde), relata na primeira pessoa como está a ser vivida a pandemia da Covid-19 naquele país das ilhas britânicas.

“Sendo um país frio, com chuva durante todo o ano e em que a temperatura não ultrapassa os 20 graus no Verão, o pânico com os primeiros casos foi grande. Dublin é uma cidade multicultural, o hub da Europa para as maiores empresas de tecnologia do mundo. As ruas estão sempre cheias de pessoas, de vida e alegria. Os pubs são o ponto de encontro de irlandeses ou de qualquer outra nacionalidade que por aqui estuda ou trabalha. Hoje parece uma cidade fantasma.
No início do mês de Março os primeiros casos foram tornados públicos, todos relacionados com visitas a países como Itália ou Espanha, países de eleição para as férias dos irlandeses. Quem conhece um pouco da cultura irlandesa sabe que não são pessoas de ficar em casa. O Governo foi rápido em anunciar algumas medidas para fazer fase a esta pandemia e pediu para as pessoas ficarem em casa se possível, os hospitais disponibilizam informações e organizaram centros de testes. As empresas na segunda semana de Março pediram aos colaboradores para ficarem a trabalhar a partir de casa ou, como no meu caso, dividiram as equipas em duas que se dividiram entre o escritório e casa. Apesar de tudo isto sou como muitos outros que só perceberam a dimensão da Covid-19 e a realidade que vivemos há alguns dias atrás. Estou a caminho da terceira semana em casa.
Esta sexta-feira, 27 de Março, foi anunciado o lockdown no país até a Pascoa, duas semanas, e os voos estão quase todos cancelados. Não há ligações para Faro por exemplo e apenas alguns voos para Lisboa. Estou a trabalhar a partir de casa há duas semanas, saiu apenas para ir ao supermercado e vou tentando acompanhar as notícias aqui e em Portugal claro. O que mais me assusta no meio deste filme, que parece de terror, é não saber quando vou poder ver a minha família e a constante preocupação de saber se estão bem. Preocupações normais para quem vive longe dos seus, mas apertam um pouco mais neste momento. Como é possível algo que não vemos mexer tanto com a nossa vida e colocar-nos nesta situação de medo constante? Temos medo de falar com os vizinhos, de falar com a senhora da caixa do supermercado, que trabalhar todos os dias para que nada falte a todos nós, correndo riscos diariamente.
O número de casos, e mesmo de mortes, não é tão elevamos como em Portugal ou noutros países, são cerca de 2.500 casos confirmados, mas mesmo assim o lockdown oficial chegou, talvez seguindo um pouco as medidas tomadas em pelos vizinhos do Reino Unidos. Podemos sair uma vez por dia para exercício, mas não a mais de 2 kms de casa, ou para a compra de bens essenciais, e apenas os serviços essenciais estão a funcionar, como serviços sociais, tudo o resto foi forçado a encerrar. O banco para o qual trabalho fechou todos os balcões de atendimento ao público há uma semana, mas felizmente que aqui o tele-trabalho faz parte da cultura de quase todas as empresas.
Apesar de se dizer que são medidas até ao domingo de Páscoa, sabemos que não há certezas, fala-se em meses de isolamento. Tanto na Irlanda como em Portugal espero que tudo isto sirva para repensarmos todos a importância do investimento Saúde e da Educação. Aqui são poucos os hospitais públicos, a maneira de ver a saúde parece um pouco à americana, mas neste momento o Governo não pensou duas vezes e colocou todos os hospitais privados ao seu serviço, algo que a meu ver outros países deviam fazer.
Sinto-me segura aqui e estou agradavelmente surpreendida com a maneira como os irlandeses estão a enfrentar isto. Partilho casa com mais três pessoas, vamos tentado fazer actividades juntos, cozinhamos, tratamos do jardim, jogamos às cartas, vemos Netflix e vamos tentando criar as nossas rotinas nesta nova realidade. Nos primeiros dias em casa até achámos alguma piada, mas hoje estamos assustados. Como foi possível perdermos toda a nossa liberdade de um dia para o outro? Raramente passávamos tempo em casa, ou estávamos a trabalhar, ou em convívios no centro da cidade, ou a passar fins-de-semana fora do país. De Dublin há ligações para os quatro cantos do mundo e a preços acessíveis a todos. Hoje estamos aqui fechamos e longe das nossas famílias.
Olho para Portugal com o pouco mais de preocupação. Espero que tudo isto passe rapidamente e que brevemente possa estar no meu Alentejo a almoçar uma açorda feita pela minha mãe com a minha família.”

Leia a reportagem sobre como estão os emigrantes do Baixo Alentejo a enfrentar a pandemia da Covid-19 no “CA” de 3 de Abril, já nas bancas

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Correio Alentejo

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