As câmaras municipais de Odemira e de Aljezur assumiram uma posição conjunta relativamente ao novo regime especial transitório relativo ao Perímetro de Rega do Mira, aprovado pelo Conselho de Ministros e já em vigor. No documento que pode ler já a seguir, assinado pelos presidentes das duas autarquias, os dois municípios apresentam a sua posição sobre o tema e não escondem temer os “efeitos práticos” da resolução, "que permite a continuada densificação de culturas protegidas e consequente pressão social” na área do Parque Natural.
José Alberto Guerreiro (Odemira) e José Gonçalves (Aljezur) afirmam ainda que “não são contra a actividade empresarial agrícola ou qualquer outra”, desde que “se enquadrem nos modelos de desenvolvimento constantes” dos Planos Regionais de Ordenamento do Território e Planos Directores Municipais, bem como nos objectivos e regras" do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.
Posição conjunta dos Municípios de Aljezur e Odemira
Na última década a atividade agrícola no PNSACV intensificou-se, tendo como base o crescimento acentuado da produção de pequenos frutos e em consequência a necessidade de mão de obra na ordem dos 10 trabalhadores por hectare de produção, o que se traduziu num afluxo migratório sem precedentes na região, lotando o alojamento disponível em venda ou arrendamento.
Resultando da interpretação da alínea b)-nº5 do artº 46 do Plano de Ordenamento do parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (POPNSACV), onde se pode ler… “nas áreas agrícolas são autorizadas.. .construções para alojamento de trabalhadores agrícolas temporários, nos casos em que a sazonalidade das produções o justifique, obedecendo às seguintes características:
i) Estejam tipificadas como construções amovíveis ou ligeiras;
ii) Sejam objecto de compromisso escrito entre a empresa responsável pela exploração agrícola, a entidade concessionária do Perímetro de Rega do Mira e o ICNB, I. P., que ateste da sua necessidade e do período de utilização necessário, findo o qual deverão ser objecto de remoção”, alguns empresários agrícolas instalaram alojamento provisório nas suas quintas agrícolas, sem prévio acordo assinado entre as partes.
Em Maio de 2017, a IGAMAOT produziu relatório de Inspeção realizado entre 2016 e 2017, à atividade agrícola praticada no Perímetro de Rega do Mira (PRMira), identificando vários situações de incumprimento às normas do POPNSACV e algumas indefinições, remetendo-o às entidades competentes;
No referido relatório, homologado em 16 de Março de 2019, no qual se pode ler “que a área ocupada por estufas no PRM é de apenas 159 ha, valor que se encontra ainda muito longe de atingir o limite imposto pelo Plano de Ordenamento do PNSACV (30% de 12.0000 ha)”, a IGAMAOT recomenda 25 ações que urge promover;
Em sequência, o Governo da República produziu o Despacho nº7675/2018 de 10 de agosto, publicado em DR, criando um grupo de trabalho designado “GTMira”, determinando que no prazo de 90 dias, o GTMira coordenado pela CCDR Alentejo, produzisse um Relatório que deveria dar resposta às seguintes questões:
1. Alojamento para trabalhadores agrícolas (permanentes e temporários);
2. Compatibilização dos valores Naturais constantes no PNSACV e Rede Natura 2000, bem como as relativas aos regimes hídricos, ponderando uma eventual revisão da delimitação do PRM e ou área do PNSACV;
3. Clarificação de definições, regras e conceitos no âmbito da actividade agrícola no PRM;
Em 12/11/2018 o GTM deu por concluídos os trabalhos, tendo a CCDR Alentejo remetido ao Governo o Relatório Final, do qual constam propostas no âmbito do Despacho Governamental, a todas as questões formuladas das quais se destacam;
– O conceito de Estufa deve ter como base a interpretação constante da Informação DGADR nº 308/411/DSTAR/DOER/2016, de 15.04.2016, produzida por esta entidade no âmbito da revisão de vários PDM, ou seja, Estufas são todas as produções cobertas.
– O limite máximo de instalação de produções cobertas no PRMira em Parque Natural não deve exceder 30% da área total do PRMira, limite este que consta da alínea x)-nº3 do artº 46º do POPNSACV;
– A instalação de alojamento nas quintas agrícolas não deve exceder os 150 trabalhadores por quinta, com um limite global de 3.000 trabalhadores até à reavaliação da situação, devendo ser previamente autorizado pelas entidades, incluindo o município local, de acordo com um modelo tipo – IATA (Instalações de Alojamento Temporário Amoveis).
– A adopção de um conjunto de limites mínimos de distanciamento dos alojamentos aos aglomerados urbanos (1000 m), entre Quintas com núcleos de alojamento (1000m), à orla costeira (500 m), entre outras;
– Os limites do PRMira não devem ser alterados, entendendo-se que a atual ocupação de 65% por atividade agrícola, descoberta (50%) e coberta (15%), no PRM, ainda disponibilizam 45% para novas utilizações;
– Medidas de proteção ambiental e paisagística.
Em 24/10/2019, foi publicada em DR a RCM nº 179/2019, determinando:
– A interpretação do conceito de estufa no SW Alentejano e Costa Vicentina, concluindo-se que Estufins, Tuneis e Tuneis Elevados “não são estufas” (caso único no País), tendo esta interpretação como objetivo continuar a contornar o disposto na alínea o)-nº3-vi) do POPNSACV, que dispõe; “Para qualquer exploração agrícola desta natureza, o total de áreas livres de estufas deve ser pelo menos igual a? área total ocupada pelas estufas, podendo essas áreas livres ser cultivadas…”, e desta forma continuar a densificar as áreas cobertas nas explorações agrícolas, pois desta forma é aplicável a obrigação de deixar apenas livre 20% da área total, que geralmente são ocupadas com caminhos e instalações de apoio;
– Assumir a adopção “excepcional” do conceito de estufas (excluindo Estufins, Tuneis e Tuneis Elevados) o que na prática se traduz pela não existência de estufas na área de PNSACV, situação surrealista face ao cenário atualmente existente;
– A alteração dos limites máximos de produções cobertas no PRM em PNSACV, que globalmente passam de 30% para 40%;
– A possibilidade de instalação de Alojamento Temporário (até ao máximo de 10 anos), nas explorações agrícolas (situação que permite a proprietários de pequenas parcelas no PNSACV alegar o direito a alojar trabalhadores nessa parcela mesmo que as restantes áreas da sua exploração se localizem em qualquer outra região do País);
– A obrigação de legalização das instalações atualmente existentes, no prazo máximo de 6 meses, com base no IATA;
– A obrigação de incluir os municípios no processo de autorização de alojamento temporário;
– A adopção de limites máximos por exploração, de 200, 300 e 400 trabalhadores para explorações agrícolas em produção, com mais de 10 ha, mais de 20 ha e mais de 50 ha, respetivamente;
– A constituição de caução prévia à instalação de IPATA;
– A alteração dos limites do PRM tendo por base a necessidade do seu alargamento para acomodar as áreas a compensar atualmente incluídas nos perímetros urbanos e outras condicionadas pela existência de valores ambientais a proteger no âmbito da Rede Natura2000;
– Que sejam as entidades DGADR e ICNF os responsáveis únicos por identificar (no prazo de 3 meses) as áreas a excluir ao PRMira, bem como no interior dos Perímetros urbanos, devendo estas elaborar proposta de novas áreas a compensar, numa faixa de 2 Km no exterior dos atuais limites do PRMira;
– Determinar a constituição de um novo Grupo de Trabalho (no prazo de 6 meses), que deverá identificar e propor um programa de acção integrada para o PRMira, focado em 4 eixos de atuação.
Neste contexto, atento o histórico deste já longo processo, a coexistência de instrumentos de planeamento de ordenamento e planeamento regional e local (PROT e PDM), as servidões e restrições (RAN, REN), os compromissos nacionais (POPNSACV e POOC) e europeus (Rede Natura 2000), os municípios de Aljezur e Odemira, cujos territórios, em parte, integram o PRMira (perfazendo a sua totalidade), fazem saber:
1. Participaram de forma construtiva numa solução equilibrada entre a atividade agrícola e a salvaguarda dos valores ambientais presentes no território, alguns com estatuto de proteção europeia;
2. Estiveram e estão de boa-fé, e a todo o tempo disponíveis para um processo de concertação;
3. Lamentam que após o Relatório não mais tenham sido convocados para qualquer outra reunião de trabalho sobre a matéria em apreço;
4. Foram desconhecedores do conteúdo da RCM até à sua publicação;
5. Lamentam que a generalidade das suas propostas não tenham sido adoptadas na presente resolução;
6. Estão preocupados com os efeitos práticos decorrentes da presente RCM que permite a continuada densificação de culturas protegidas e consequente pressão social na área do PNSACV;
7. Reafirmam que não são contra a atividade empresarial agrícola ou qualquer outra, desde que estas se enquadrem nos modelos de desenvolvimento constantes dos PROT, PDM locais, bem como nos objetivos e regras do PNSACV;
8. Defenderam e continuarão a defender a diversidade e sustentabilidade das atividades locais em harmonia com os valores paisagísticos e ambientais presentes;
9. Consideram que a agricultura “protegida” e o alojamento temporário nas explorações agrícolas deve ter limites e controlo no PNSACV;
10. Consideram um imperativo não acrescer nos limites fixados até então para a agricultura protegida no PNSACV e devem ser fixados limites globais ao alojamento temporário nas explorações;
11. Consideram que as parcelas do PRMira a excluir dos Perímetros Urbanos devem ter a prévia concordância dos seus proprietários;
12. Consideram que as parcelas do PRMira a excluir dos Perímetros Urbanos fora do PNSACV devem permanecer fora dos limites deste;
13. Rejeitam qualquer responsabilidade nos projetos e obras a realizar para desvio de infraestruturas nos perímetros urbanos decorrentes da exclusão pela compensação determinada na presente RCM;
14. Não abdicam das suas competências próprias e delegadas que continuarão a exercer com base nos princípios que vêm defendo para esta região e para os seus concelhos;
13 de Novembro de 2019
Os presidentes dos municípios de Odemira e de Aljezur