“Não foi nada fácil reorganizar os serviços”. O desabafo vem do presidente do Lar Jacinto Faleiro, em Castro Verde, onde foram muitas as mudanças implementadas nas últimas semanas para proteger os utentes da pandemia da Covid-19 que está a afectar todo o país (e o mundo). Os idosos são o grupo de maior risco em caso de contágio e, por isso mesmo, todas as instituições sociais da região têm vindo, dia após dia, a reforçar as medidas de prevenção.
Em Castro Verde, e depois de ter encerrado o centro de dia, o Lar Jacinto Faleiro acabou com as visitas de familiares aos cerca de 120 utentes que tem nas suas duas unidades de internamento, “para evitar que houvesse do exterior para o interior qualquer foco de infecção”, explica Leandro Gonçalves.
A par disto foram criadas zonas e momentos para entregas de produtos e pagamentos só por meios electrónicos. Contactos entre utentes e familiares só por telefone ou pela Internet. E no que toca ao pessoal, a instituição criou “o sistema de espelho” e tem muitos colaboradores em regime de tele-trabalho. Mudanças de fundo que, até ao momento, têm sido bem aceites por todos.
“Estamos a perceber que as pessoas estão a aceitar bem [as medidas tomadas], mas a nossa preocupação vai para o futuro e para a continuidade destas medidas, que no tempo poderá trazer algumas outras preocupações”, reconhece Leandro Gonçalves.
Também no lar da Misericórdia de Almodôvar, com 59 utentes, as regras mais restritivas têm sido bem aceites pelos idosos aí acolhidos. “Uma parte expressiva deles entende e sabe que é uma situação diferente. Pese embora haja sempre aquelas fases em que não se entende”, conta a directora-técnica da instituição ao “CA”.
Segundo Paula Pais, a Misericórdia de Almodôvar tem tentado, ao longo destas semanas, “trabalhar o mais fechada possível”. “Tentamos minimizar os contactos de toda a ordem de todos os utentes com pessoas vindas do exterior. Mudamos todos os protocolos [de entradas e saídas] e temos duas equipas constituídas, uma a trabalhar e outra em casa, para se substituírem num regime de rotatividade mais prolongada. E temos todo o pessoal do infantário a servir de apoio”, revela.
Noites sem dormir
Em Aljustrel o provedor da Misericórdia, que apoia cerca de 140 utentes, admite que as suas noites passaram a ser mal dormidas desde que a Covid-19 “atacou em força” em Portugal. “Todos os dias estou com o coração num fio, pensando quantas pessoas poderão faltar nesse dia… É uma situação muito, muito difícil”, conta Manuel Frederico.
A gestão do pessoal, sobretudo de ajudantes de lar, no sentido de ter as equipas completas, é uma das maiores dificuldades sentidas pela Misericórdia de Aljustrel, que desde cedo adoptou um conjunto de medidas de prevenção, “nomeadamente restringir as visitas”, “acabar com o relógio de ponto” ou, mais recentemente, implementar o trabalho por turnos mais alargados.
“Ultimamente tomámos medidas mais rigorosas, que foi restringir os movimentos dos idosos, que agora estão quase sempre nos quartos”, explica o provedor, reconhecendo que estas começaram por ser “mal encaradas” pelos utentes. “Mas à medida que o problema se vai agudizando vão aceitando melhor a situação”, diz.
Noutra Misericórdia, a de Mértola, com mais de 200 utentes entre as valências de lar, centro de dia, apoio domiciliário e cuidados continuados, a preocupação tem sido evitar ao máximo os contactos dos idosos com o exterior.
“Criámos um plano de contingência que estamos a respeitar e estamos a melhorar sempre que possível”, afiança o provedor José Alberto Rosa, explicando que, no caso do apoio domiciliário, o grande objectivo é “evitar que as pessoas saiam das suas residências”. “Por isso temos uma enfermeira que faz o contacto entre o Centro de Saúde e os utentes, que faz inclusive colheitas de análises clínicas. Continuamos a levar-lhes a alimentação, a medicação e outras coisas que precisem de Mértola, evitando que eles saiam das suas habitações”, diz.
A juntar a isto, continua José Alberto Rosa, a instituição tem estado a formar os seus funcionários, sensibilizando-os “para os cuidados que têm que ter, no sentido de evitar que haja uma contaminação acidental”. “Estamos a tentar inventar e criar formas de melhorar e tentar evitar um eventual contágio, pois a nossa preocupação é evitar o mais possível que as coisas cheguem aqui”.
Seguindo de Mértola para Ourique encontramos a mesma preocupação e vontade de evitar que se verifique contágio entre os utentes da Misericórdia local.
“A população idosa e os funcionários da instituição constituem um grupo de risco e, por isso, fizemos tudo o que estava ao nosso alcance para impedir a propagação do vírus. O que me assusta é que tudo o que fizemos pode não chegar. Este vírus é muito perigoso. Mas acredito que as medidas que tomámos serão determinantes para a protecção de todos”, diz o provedor José Raul Santos, elencando todas as medidas adoptadas, desde a suspensão de visitas à criação de quartos de isolamento, reforço do Serviço de Apoio Domiciliário ou implementação de um novo sistema laboral (com duas equipas de trabalho), entre outras.
De acordo com este responsável, “a maioria dos utentes encontra-se bem e tem esperança que tudo irá correr bem”. Já os funcionários “estão preocupados, mas, ao mesmo tempo, dedicados de coração e alma e a dar o seu melhor” a “cuidar de quem mais precisa”.
José Raul Santos frisa ainda que “o impacto financeiro desta crise é enorme e imprevisível”. “A margem de incerteza é gigante, mas uma coisa é certa: esta crise vai deixar sequelas. Vamos todos ficar mais pobres”.