Zé Luís Soares

Quinta-feira, 17 Setembro, 2020

Jorge Serafim

contador de histórias

<b>Estoriador de pessoas,
perpetuador de memórias</b>

Meu estimado amigo,
Ainda são de raiva as palavras que compõem esta crónica. Fui-as guardando no demorado passar dos dias. Preferi deixá-las assentar em lume brando, pois se ausência é uma dor maior, suprema se torna quando a abalada é de uma incredibilidade inesperada. A memória tem destas virtudes que às vezes também são defeitos. Encher-se de quem a sabe preencher. E quando esta caixa onde se guardam todos os afectos e todos os momentos fica despida de alimento, não revigora. Não digere. Passa horas a repensar o que há-de pensar.
Meu estimado amigo,
Tinha, perdão, tenho, desde sempre uma admiração encantatória por um excesso que o caracterizava no dia-a-dia. Beja! Excesso de Beja! Consigo descobria-se que a toponímia desta cidade era composta de pessoas sem distinção. E que sim, que cada pessoa é uma estória para contar. Através de uma eloquência ímpar as ruas da cidade tomavam um sentido mítico. Do albardeiro à família mais fina, dos autos de Natal da aldeia da Trindade às estórias políticas anteriores ao 25 de Abril, do episódio caricato ao mais rocambolesco, o meu amigo possuía um dom que poucos têm… A capacidade de tecer narrativas que efectivavam as pessoas à memória desta cidade. Sejam elas quem forem, não se podem apagar. Ensinou-me isto. Que há um contrato que se estabelece a termo incerto a partir do momento em que existimos em qualquer local. Mas no nosso, Beja e tantas vezes o falámos, a invejinha teima em atenuar às pessoas o espaço e o tempo que lhe são reservados pelas linhas e pelas curvas da vida. Como se apenas a alguns coubesse o direito de fazer história. Como se apenas a alguns coubesse o dever de fazer história. E de miúdo assim foi, habituei-me e deliciei-me a ouvi-lo desde o tempo em fomos vizinhos. Eu, na rua André de Gouveia e o Zé Luís na rua Diogo de Gouveia. Recordo e agora sim, apetece-me recordar, a noite do lançamento do livro de poesia de um amigo nosso, Jorge Barnabé. E como naquele palco, o auditório da Biblioteca Municipal de Beja, se juntaram uma imensidão de pessoas que raramente se encontram. Foi uma noite de embriaguez mágica. Falou-se e bebeu-se Beja até às tantas do sonho. Não mais aconteceu.
Meu estimado amigo,
Em nós ficou um acordo por cumprir, o de começar a gravar as muitas estórias que possuía acerca das inúmeras pessoas que constituíam e constituem as casas, as ruas, as praças e os largos de Beja. Não mais acontecerá. Despeço-me pelo título do livro que mencionei nas linhas anteriores, crente de que a memória é eterna enquanto perpetuada e que a vida às vezes, é simplesmente, um <b><i>Lugar Etéreo… </i></b>

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