Viva Salazar, Hitler e Mussolini ?!…

Quinta-feira, 17 Setembro, 2020

Onofre Varela

jornalista / cartunista

Sou um péssimo assistente de televisão. Por isso não vi os programas da série que Maria Elisa trouxe de Londres para vender à RTP. A coisa tratava de fingir que se elegia o melhor português numa espécie de “eleição” semelhante às permitidas por Marcelo Caetano, sem um recenseamento, e onde votavam, maioritariamente, funcionários públicos, militares da GNR, padres e freiras.
Aquilo que seria cópia de um programa da televisão inglesa, onde se expunham personagens da história do país numa espécie de concurso para eleger o maior de todos eles, ocupou o serão televisivo dos portugueses numa competição protagonizada pelos telespectadores para escolherem “o melhor de nós”, com votação telefonada. O resultado foi um desastre!
Na manhã do dia seguinte à noite da votação, acordei com o rádio sintonizado num programa informativo que me deu a nova antes de ver raiar o sol: Salazar tinha ganho a votação, seguido de Álvaro Cunhal! … E o terceiro lugar coube a Aristides de Sousa Mendes!
Na vida real, os dois últimos contrariaram a actuação do primeiro. Cunhal sofreu a prisão e a tortura imposta por Salazar, apenas porque tinha ideias e opiniões políticas diferentes das suas. E Sousa Mendes foi destituido por Salazar do cargo de embaixador, e viu a sua vida dificultada com boicotes a empregos, dificultando-lhe a busca de sustento para a família, porque ousou contrariar a ordem do ditador permitindo que centenas de judeus escapassem aos nazis, salvando-os da morte certa nas câmaras de gás de Hitler!
O torturador Salazar não só venceu em vida — porque lhe foi permitido morrer de velho sem dar contas do mal que fez e permitiu fazer — como venceu aquela espécie de concurso virtual onde os outros dois defuntos concorrentes, se soubessem com quem emparceiravam neste passatempo televisivo, teriam dado voltas no túmulo!
Se não houve manipulação dos resultados e se Salazar conquistou mesmo a simpatia dos portugueses votantes, então… Perdemos todos nós porque mostramos ser um povo sem memória histórica!
Eleger como melhor português um homem que impôs uma ditadura durante quatro décadas, que criou prisões políticas e o campo de concentração do Tarrafal onde deixou morrer portugueses pelo “crime” de possuirem uma estatura moral imensamente superior à sua, que prendeu e torturou adversários políticos, que decretou a total submissão do povo à autoridade do Estado e da Igreja, desrespeitando as liberdades de opinião e associação… Só pode ser anedota! Tal programa deve ter tido guião escrito pelos Gato Fedorento! …
Nada me move contra quem quer preservar a memória de Salazar; mas tudo me opõe à imagem de “grande português” com que o querem apresentar. A sua memória deve ser preservada como exemplo a não seguir. Por isso não assinei a petição para que não fosse autorizado o museu que lhe querem dedicar em Santa Comba Dão, porque apoio a abertura de museus onde se exponham Salazar, Franco, Mussolini, Estaline, Pinochet e todos os ditadores que preencheram negras páginas nas várias histórias da Humanidade. O que é preciso é que, paralelamente, se mostre o verdadeiro retrato histórico do personagem transformado em objecto museológico para espevitar consciências. E a consciência não se cria ocultando a obra dos ditadores, mas mostrando como procediam eles.
Eleger Salazar como o “melhor português” não só é insultuoso para os verdadeiros “melhores portugueses”, como é historicamente falso. Portugal não se resume à época que permitiu o aparecimento do ditador de Santa Comba. Os mil anos da nossa História foram escritos por variadíssimos melhores portugueses, cada um vivendo as realidades da sua época, de um modo impossível de as viver noutro tempo. Daí a falsidade desta votação para entreter o tempo, e a constatação de haver mais e melhores modos de entreter o tempo… do que assistir a programas de televisão.

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