Sabia-se que aquele namoro começado num velório não poderia nunca ter grandes contornos de paixão.
É certo que aquela morte nada tinha de trágico. Era apenas uma morte esperada, um fim de vida bem aceite pela idade do corpo e pela família. Ainda assim, aquela troca de olhares destoava do luto e da mortalha de linho. Neles, só os olhos se moviam. Tudo o resto estava preso àquela luz turva. Mal se distinguiam. Ele aperreado num fato sovado e sombrio. Ela metida num vestido de flores desmaiadas. Cada um só via o rosto do outro por cima do féretro. De entusiasmo nem pouco nem nada.
Mas vá-se lá saber porquê, um brilho estranhamente baço começou a pairar por sobre aquele silêncio peganhento. Quem não soubesse diria que era uma alma que se estava a elevar. E afinal era. Não a do morto, mas a deles. Naquela química de incenso e nicotina, juraram logo ali fidelidade na tristeza. Aceitas? Aceito.
Os nomes viriam depois. E vieram na tarde do enterro. Logo a seguir às exéquias, apresentaram-se. Ela, Maria da Anunciação, prima suficientemente afastada do defunto. Ele, António Maria, neto do mesmo.
O namoro foi curto. Insonso. Casaram pela igreja, numa cerimónia arrastada, como quem se demora à espera que o amor chegue. (Não consta que alguma vez tenha chegado).
Toda a gente sabe que os filhos também se fazem sem ele.
Mas não neste caso. Se por impossibilidade ou por vontade dos dois, ou só de um, ninguém saberá.
Vivem na mesma casa do velório. Uma moradia grande e cuidada, na rua principal da vila. Todas as tardes passeiam juntos, como se fossem um só. Ou ninguém.
Conseguem calar os passos na calçada. Pouco dizem. No rosto não se esboça um esgar, um qualquer movimento.
Como sombras amarradas ao corpo, sentam-se num banco de costas voltadas para o pôr do sol. Parece mentira voltar-se as costas a um pôr do sol, mas neste caso nós sabemos que para eles a noite não terá importância nenhuma. Será apenas um lugar no tempo, o escuro que se põe em todo o lado.
Não haverá uma centelha de corpo aceso, nem uma mão toda – de dedos inquietamente abertos – tentando respirar onde a pele é mais macia. Nada. A noite será apenas um breu infinito que se deitará sobre eles. Até acordarem.
E acordam sem ânimo, engasgados de sofrimento. Na cova dos olhos notam-se restos de um destino amarrotado. Põem-se de pé como já antes estavam deitados: rígidos, incapazes de um sorriso, de uma palavra colorida.
Naquela casa na rua principal da vila apenas há um espelho pequeno. Quando o encaram, veem nele uma acusação, um desperdício, e sabem que está ali o reflexo de uma existência caída para sempre.
Velam-se um ao outro. Só respiram.
Há vidas assim.
De cinza.
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