Se há domínio das políticas públicas onde tenho especial dificuldade em perceber uma racionalidade económico-tecnocrático-instrumental é no da saúde. A optimização de meios e recursos e a redução dos gastos não pode passar por cima da ponderação das acessibilidades, da celeridade da resposta médica à emergência, do isolamento das populações, das dificuldades de deslocação, dos danos pessoais, profissionais e familiares decorrentes do agravamento do tempo de espera por efeito do congestionamento de serviços de urgência centralizados.
O combate aos desperdícios e às irracionalidades de tantos serviços públicos, e de tantos funcionários, nomeados e avençados que passam os dias a tentar descobrir que fazer, deve ser radicalizado em sectores onde efectivamente a redução das despesas e do investimento não afecta os bens e direitos essenciais do cidadão, nem compromete a democratização e igualdade de acesso a esses serviços. Da defesa, à administração pública, passando por incontáveis institutos e organismos públicos de suporte e retaguarda da acção governativa, há muito por onde cortar, converter, reconverter, extinguir. Mas as obrigações constitucionais e morais do Estado no sector da saúde não se compadecem com restrições orçamentais, privatizações selvagens, centralizações territoriais e administrativas, e eliminação de unidades de urgência de baixa densidade de utilização. E é mais: não me choca o sub-aproveitamento de muitos dos serviços de urgência que têm sido encerrados e de muitos mais cujo desaparecimento já está anunciado. A desertificação do interior, em especial, que já é mal suficientemente dramático, não pode colher do Estado uma estratégia de descapitalização de serviços públicos vitais, seja na área da saúde, ou nos transportes, ou na segurança, ou na assistência social. Pelo contrário, a manutenção de equipamentos e recursos, e a sua requalificação, é factor decisivo de revitalização de territórios deprimidos e carenciados. E o Estado, em vez de preservar essas estruturas, condena ainda mais as populações residentes, sobrecarregando-as de gastos, de desânimo e de frustração, penalizando os mais necessitados e debilitados, que não têm possibilidade de recorrer a serviços de saúde alternativos em tempo útil e auferindo de cuidados adequados.
Este Governo, presumidamente socialista, ao invés de redobrar a sua atenção ao esbatimento das assimetrias e desigualdades, descentralizando serviços e apostando em soluções de proximidade junto de povoações muitas vezes remotas, dimensiona os desequilíbrios já existentes, desapropria os cidadãos de conquistas sociais inegociáveis e impermeáveis à lógica do lucro e da rendibilidade económica, com prejuízo para a qualidade de vida das populações e para as suas legítimas expectativas em terem um serviço público de saúde, em concreto as unidades de urgência, garantido e melhorado!
<b>2. </b>Já estreou o filme “Call Girl”, de António Pedro de Vasconcelos, e também já estreou o filme “Cristóvão Colombo – O Enigma”, de Manoel de Oliveira. O que liga estes dois filmes, como o que já ligou outros como o “Adeus Princesa”, é o facto dos respectivos argumentos tomarem o Baixo Alentejo como palco de acontecimentos, e de grande parte das cenas, no caso do primeiro, e de uma menor parte delas, no caso do segundo, ter sido filmada nesta região, como há já uns anos sucedera com um filme de grande produção: “A Casa dos Espíritos”. A escolha do Alentejo como cenário natural ou encenado, anima a economia local, e envolve as populações, animando, quer pelas necessidades técnicas, artísticas e logísticas, quer pelo folclore e aparato tecnológico e humano da indústria cinematográfica, apesar de se tratarem, habitualmente, de produções europeias de circunscrita dimensão.
Estes dois filmes, muito diferentes entre si, com vocações e exigências estéticas muito diferenciadas, e ainda bem, tornam pertinente a ideia de que o nosso território reúne boas condições para ser palco frequente de requisição cinematográfica, não só para a produção nacional, mas, e é esse o grande desafio que se coloca, para se constituir como uma apetecível possibilidade para a instalação de infraestruturas de apoio e de complementaridade à indústria internacional do cinema.
Por isso, sem que eu faça a mais pequena ideia dos desenvolvimentos ou do rumo do que há uns meses atrás se apresentou publicamente como projecto, ou ideia, de transformar Beja na “Hollywood portuguesa”, ou do Baixo Alentejo numa região demarcada de cinema, continuo convicto que seria uma excelente oportunidade de desenvolvimento para a nossa região.
Não faço ideia do que resultou da apresentação deste projecto, nem da vontade, que se pretendia conquistar, de um grupo de produtores e empresário franceses e norte-americanos. Mas era conveniente que se tornassem públicas essas negociações ou que se dê conhecimento público do seu andamento, pois caso esta ideia se tenha gorado, tenho como pertinente, senão mesmo urgente, a possibilidade de se constituir um projecto em parceria público-privado nesta área, envolvendo câmaras municipais, região de turismo, associações de empresários, e outras entidades, que se candidate a fundos comunitários, capte investimento internacional, e estabeleça contactos e protocolos com produtoras, por forma a criar as infraestruturas para um grande estúdio de produção cinematográfica no Baixo Alentejo, e assim, de forma relativamente sustentada, oferecer condições únicas para atrair os profissionais e empresários do cinema. Tudo o que possa ser factor de desenvolvimento económico do Baixo Alentejo parece-me inadiável e urgente.