“Abril é da malta que o viveu. A liberdade é de todos. Somos filhos da madrugada e cúmplices da fraternidade”.
Na madrugada do 25 de Abril, eu tinha 23 anos e estudava na cidade de Coimbra. Enchi-me de alegria e esperanças como a maioria dos portugueses. Imaginámos todos que iriam acabar os abortos sociais e políticos que então nos rodeavam. Mais de 30 anos volvidos, eles aí continuam com o agravamento das diferenças entre pobres e ricos, a precaridade de empregos para os mais jovens, licenciados e demais trabalhadores, a desertificação do interior, e como tema do momento, a manutenção dessa praga social que é o “aborto clandestino”.
Seria desejável que a troca de ideias e argumentos entre os partidários do “sim” e do “não” decorresse com urbanidade e civismo. Mas desde algumas forças eclesiásticas que ameaçam com a excomunhão as mulheres “prevaricadoras”, a alguns sectores da chamada extrema-esquerda, que confundem coisas demasiado sérias com a ligeireza dos abaixo-assinados e palavras de ordem que também procuram “excomungar” os que pensam diferente, que os diferentes debates pouco têm ajudado à necessária clarificação.
É, portanto, difícil no nosso país, como seria desejável, debater com contraditório este tema, restando-nos portanto a possibilidade de expor com frontalidade a opinião pessoal de quem o quiser fazer.
E eu sou pelo “sim” à despenalização do aborto, porque até aqui tem sido o “não”, e creio que nem um único português ou portuguesa, concorda com a vergonha do que se tem passado. Por isso me parece que os que defendem o “não” defendem, afinal, a continuação daquilo com que ninguém concorda e que apenas penaliza as mulheres.
E deixem-me dizer que não é bonito nem admissível o falacioso argumento sobre a defesa da vida na questão do aborto. Ninguém gosta mais dos seus filhos do que as mães que os geram, como ninguém chora mais os mortos que os seus familiares. Eu gostava de perguntar a alguns dos senhores que defendem a vida, porque não se revoltaram antes do 25 de Abril contra a ida dos nossos soldados para a guerra de África, onde tantos deles morreram. Não teriam esses jovens direito à vida? Eu não tenho dúvida nenhuma que o medíocre Presidente Bush também é por esse tipo de direito à vida. Mas é o principal responsável pela morte de mais de três mil jovens americanos na guerra do Iraque. E ninguém queira comparar a dor dos familiares desses jovens como tantos outros pelo mundo fora, estupidamente mortos nas guerras, com as lágrimas de crocodilo daqueles que defendem dogmas sociais, mas estão de facto contra a vida dos outros, ali ao virar da esquina.
Alguém tem dúvidas que as crianças são a melhor coisa do mundo? E que as mulheres que abortam têm, geralmente, outras crianças? E que gostam delas muito mais do que podemos imaginar? E que por vezes fazer um aborto pode também ser um acto de amor? Alguém daqueles que agora clamam contra o aborto procurou alguma vez saber as razões porque abortam as mulheres? Será que alguma mulher decide fazer um aborto de ânimo leve, sabendo os riscos de vida que vai correr, a exploração financeira de que vai ser vítima, sem ter uma motivação forte e superior ao amor que elas próprias têm pelos seus filhos? No fundo a falta de condições sociais e económicas em que vivem, provocada por muitos dos que hipocritamente defendem o tal direito à vida.
É fácil perceber que tudo isto é muito complexo, que a verdade completa se calhar não está só de um dos lados, mas que a vergonha do que está não pode continuar e tem forçosamente de mudar para melhor.
Para além da educação sexual, das pílulas do dia seguinte e de todas as contracepções, vão sempre existir mulheres com situações de gravidez não desejada. Compete a essas mulheres a decisão do acto de amor de poder ter, ou não, mais um filho. Compete ao Estado fornecer a estas mulheres a segurança para as suas decisões. E acabar com a vergonha das mulheres que morrem por abortos sem segurança, e por isso, afinal, sem direito à vida. E que apenas foram abortar porque sentindo-se sozinhas perante o mundo, depois de uma série de adversidades, não lhes resta espaço de amor para o nascimento do filho, que noutras circunstâncias desejariam mais do que ninguém. Porque ninguém pode ter dúvidas, sob pena de ofensa grave e vulgar às nossas mulheres, que reunidas as condições para o normal nascimento de todas as crianças, são elas as principais interessadas em que o direito à vida o seja de facto, e não um oportunismo barato de alguns demagogos. Daí ser perfeitamente aleivoso concluir que a liberalização do aborto, vai levar as mulheres a recorrer ao aborto de ânimo leve. Deixemos os dados estatísticos doutros países e confiemos no bom senso, na dignidade e no desejo das mulheres portuguesas de terem os filhos que elas desejam mais do que ninguém.
Os portugueses lembram-se das afirmações ridículas do sr. Morgado na Assembleia da República, magistralmente parodiadas pela poetisa Natália Correia. E lembram-se dos barcos de guerra que o ministro Paulo Portas mandou para o mar por causa de um barquinho de activistas. São estes senhores que defendem o direito à vida? Desculpem, mas vou ali e já venho. É que a vida da maioria das portuguesas que já tiveram de abortar faz-se nos caminhos difíceis deste país, bem longe das sarjetas douradas onde vegetam as “Pimpinhas”, os “Paulinhos” e as “Isaurinhas”.
Eu sou pelo sim, porque entendo que o nascimento de uma criança, só pode resultar de um acto de amor protagonizado por um casal que o deseja.
Eu sou pelo “sim” porque não quero que voltem a morrer mulheres no meu país porque alguns não lhes concedem o direito à vida.
Eu sou pelo “sim” porque me repugnam os falsos moralistas d’agora e de sempre, que pactuam com a exploração financeira que permitem a parteiras oportunistas fazer fortunas com dinheiro mais do que sujo, à custa de mulheres indefesas e normalmente pobres.
Eu sou pelo “sim” porque, como dizia o poeta Eugénio de Andrade, “É urgente inventar alegria, multiplicar os beijos, as searas. É urgente descobrir rosas e rios e manhãs claras…”
PSD vai a votos em Ourique, Almodôvar e Odemira
Gonçalo Valente, Diogo Lança e Luís Freitas são os candidatos únicos à liderança das secções do PSD em Ourique, Almodôvar e Odemira, respetivamente, que vão