Uma casa na paisagem

Pedro Prista

professor do ensino superior

O motivo pode parecer fútil, mas foi a paisagem que nos trouxe aqui, a este Alentejo atlântico. Naqueles anos Oitenta, por vezes sem sabermos uns dos outros, lá fomos chegando. Lisboa regressara às rotinas do seu desinteresse e o passado recente tinha sido demasiado exaltante para abandonarmos a vontade de começar vidas. Este litoral era límpido e grande, livre das multidões obtusas da cidade. Quase sem gente, até nas suas pobrezas tinha uma franqueza clássica. Esta paisagem parecia que salvava. A paisagem é o modo como julgamos que o mundo olha para nós, e foi a sedução.
Depois foram os planos, as casas, os filhos alegres ao sol. A casa era o nosso acerto com esta paisagem e o garante da nossa história aqui. Pelos montes decaídos e refeitos, em vilas e aldeias, por ruas estreitinhas às vezes, com taipas, pedras, tijolos, massas, com sarilhos enfim, tomámos os nossos lugares, os lugares das nossas casas. Chegou a parecer que a paisagem nos esperava para ficar pronta. Mas as casas são sobretudo o modo como somos recebidos pelos outros que lá estão, e quando tudo parecia pronto, é que começámos afinal a chegar. A paisagem começou então a ter mais pessoas. É a casa que nos tira do centro do mundo, e é bom que assim seja, que ele não é lugar de ninguém.
De todas as muitas pessoas desta paisagem, um dia por um sinal, noutro numa passagem rápida, noutro ainda numa conversa ou por um encontro, começamos a conhecer umas pessoas diferentes e escusas. Eram as pessoas portadoras de deficiências, a quem calhara na vida a mesma paisagem que a nós, mas que parecia não poderem estar nela.
Pareciam escondidos, escondidos até de si próprios na vergonha culpada de serem assim, remetidos às famílias e com elas enxotados para longe da dignidade da cidadania. Estavam aqui e pertencem todos à nossa vida. São nossos parentes próximos, ou vizinhos, ou amigos, ou parentes dos vizinhos dos amigos, mas sempre os nossos outros diferentes.
Só de pensar nos pesados e exigentes cuidados que as suas vidas requerem, para gestos que fazemos todos os dias até distraídos de os estarmos a fazer; ou na distância a que ficam de coisas públicas, que lhes impõem proezas impossíveis; ou na angústia das famílias ao ver chegar o tempo de precisarem elas de apoio e não poderem parar de dá-lo, só de pensar nisto tudo, e ainda que isto é a vida de tantas pessoas, todos os dias, choca a falta a esta paisagem de uma casa especial, que preste apoio a clientes e famílias – a Residência da Associação de Paralisia Cerebral de Odemira.
O Estado, através do POPH e da Câmara Municipal de Odemira, garantiu já três quartos dos custos. Alma e trabalho, dá-os a APCO. Faltam trezentos mil euros para ter tudo a funcionar. Vamos pedir a todos os lados e vamos contar a história das respostas obtidas.
O motivo de termos vindo para este litoral podia parecer fútil, mas hoje, com um projecto destes nas mãos, sonhar uma “casa” na paisagem ganhou muito mais sentido.

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