O cidadão José Sócrates tem todo o direito de professar uma religião, assistir a benzeduras e encomendar a alma ao deus em que crê, desde que o faça na intimidade da sua consciência, na sua casa ou no interior de um templo, que são os lugares próprios para um religioso se encontrar com o deus que habita a sua mente. Mas no exercício do cargo político que ocupa, não deveria fazê-lo. Nem, tão pouco, deveria ter permitido o anacrónico acto religioso de “benzer” uma escola pública!
Esta nossa democrática, República laica construida após o 25 de Abril de 1974, tem muito da promiscuidade praticada por Salazar e Cerejeira no Estado Novo, começando pela manutenção da Concordata que previlegia as relações do Estado com a Igreja Católica. Os próprios políticos que já nos governaram desde 1974, como Cavaco, Guterres, Santana e Portas, foram mostrados demasiadas vezes assistindo a missas, e alguns deles usavam nos seus discursos, assiduamente, a frase “graças a Deus”. E Guterres, enquanto primeiro-ministro de um governo socialista, disse, numa entrevista ao jornal espanhol “El País”, que “cada um será julgado por Deus de acordo com a capacidade de pôr os seus valores em benefício dos outros”!!! (El País Semanal. 5/7/98).
Recorde-se que também Pinochet, ao tomar o poder após derrubar, com derramamento de muito sangue, o socialista Salvador Allende (que foi eleito democraticamente), disse: “Estou aqui por ordem divina”. E, como se sabe, Osama bin Laden apoia actos terroristas em nome do mesmo Deus de Guterres e de Pinochet, que também é a mesma divindade a quem rezava Saddam e a quem reza Bush!… Deus é detergente usado em, e por, qualquer nódoa!
É conhecida a minha posição de ateu (sou autor do livro <b><i>O Peter Pan Não Existe. Reflexões de um Ateu</i></b>, editado pela Caminho em Fevereiro de 2007), e não vislumbro Razão na fé. Apesar disso, defendo o direito que todos têm ao livre exercício da sua fé no deus que tem trono reservado nas suas cabeças, e que imaginam ser fiscal, juiz e o criador de tudo quanto é.
A coabitação de religiosos, ateus e agnósticos, é sadia e desejável numa sociedade livre e aberta como pretende ser a nossa, pois todos temos a aprender com as reflexões e as experiências dos outros. No que a mim diz respeito, sempre que estou com alguém manifestamente religioso — como um sacerdote, por exemplo —, declaro-me ateu e procuro encaminhar a conversa para o campo da sua fé. E embora (até hoje) as suas razões nunca me tenham convencido, no fim fico sempre a saber algo mais do que sabia no momento anterior à conversa. O mesmo não acontecerá com ele porque, em tais situações, provoco o seu discurso e depois calo-me ou falo o mínimo, porque me interessa mais ouvir do que falar. Aprendo mais…
Apesar de não apoiar a promiscuidade entre Estado e religião, às vezes topo com notícias que mostram estar na moda fazer uma separação coerciva do religioso e do profano de um modo que não perfilho. Não alinho em actos fundamentalistas, venham eles do lado da religiosidade ou da banda do laicismo. Proibir uma manifestação religiosa é uma atitude tão estupidamente prepotente como é a de impor um credo religioso a uma comunidade. Por isso, não me parece uma posição simpática nem tão pouco, inteligente e eficaz, proibir o acesso a instituições públicas às pessoas que ostentem símbolos religiosos. Impedir a entrada na sala de aula a uma estudante com a cabeça tapada pelo véu islâmico (como em França), ou exibindo uma cruz ao peito, é uma atitude tão disparatada como seria impedir a entrada num bar a quem decore a lapela com o emblema do Sporting ou envergue uma camisola com o símbolo do Partido Comunista estampado.
A separação entre o religioso e o profano deve existir, naturalmente, no entendimento de cada cidadão como atitude cívica, e no respeito pela sensilbilidade do outro. As escolas não existem, apenas, para ensinarem a ler e a contar. Também têm por missão educar na cidadania. Por isso defendo que nos espaços da responsabilidade do Estado, como tribunais, repartições públicas, escolas e hospitais, não deva existir sinalética religiosa (nem benzeduras inaugurais!), como crucifixos e outras imagens de fé, a decorar as paredes, porque tais símbolos têm um lugar próprio para serem exibidos: os altares das igrejas. As escolas, os hospitais e os tribunais prestam ensino, cuidados de saúde e justiça a toda a gente sem lhes perguntarem o paladar do iogurte da sua preferência. Por isso, não devem exibir imagens de culto religioso.
Mas impedir a entrada em tais lugares a quem use um adereço decorativo representativo de uma organização legalizada pela sociedade em que está inserido, como uma religião, um clube desportivo ou um partido político… é um acto estúpido, separatista, e trezanda a uma intolerância insuportável.
É tão estúpido proibir os alunos das escolas de fazerem um presépio no Natal ou enfeitarem um pinheiro com bolinhas coloridas (numa sociedade onde tais elementos fazem parte da etnografia local), como estúpido será obrigá-los a fazê-lo contra a sua vontade quando tal tarefa não tem intenção pedagógica no entendimento do ensino laico.
A representação do presépio existe desde que Francisco de Assis o inventou, e o seu significado actual é, basicamente, mais folclórico do que religioso. E cabe muito bem na decoração das montras dos espaços comerciais. (A parte religiosa do Natal parece-me que é observada, cada vez, por menos famílias, e tem lugar próprio: as igrejas e a habitação de cada crente). Proibir tal cenografia no cumprimento de uma manifestação folclórico-religiosa sazonal, como é o Natal, é fomentar a revolta contra a proibição e, consequentemente, a sua transgressão e a exaltação do acto de transgredir… e mais: enaltece a importância do objecto proibido, o que é pior por funcionar em sentido contrário à ideia da proibição. É como proibir os caretos das aldeias brigantinas de sairem à rua e acossarem as jovens namoradeiras, como em tempos salazarengos chegou a ser decretado.
Educar no sentido de produzir cidadãos responsáveis, respeitadores daqueles que têm ideias diferentes das suas, é bem mais difícil do que proibir manifestações que, por preconceito social, religioso ou rácico, não são bem vistas pela comunidade. Esse difícil caminho da Educação é aquele que tem de ser seguido, porque é o mais lógico. Contrariar isto é usar as mesmas atitudes fundamentalistas dos credos religiosos que a todos vitimizam.
E aos políticos que usam Deus nos seus discursos e que se benzem em actos oficiais, quero dizer que fariam melhor se abandonassem a política e seguissem o sacerdócio (que também é um caminho político!). Mas se fazem muita questão em seguir uma carreira política… então que vão exercê-la para o Islão, onde o Teísmo faz lei civil.
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