Gosto de Setembro porque em Setembro começa o declínio da luz. E luz a mais apodrece a poesia. Come-lhe os ossos. Adormece-a. Enfraquece-lhe a alma pungente. Engana-a com tanta luminosidade. Quanto muito escrevem-se umas linhas sobre gaivotas rasgando o azul. Ou sobre um pôr-do-sol numa falésia. Ou sobre um corpo bronzeado de mulher a arder nos olhos de um homem. Pão com melão no Verão. E pouco mais. De Verão as palavras não se endireitam. São coisas moles. Preguiçosas. Dormentes. Sentadas em esplanadas. Assadas no carvão. Deitadas na praia. São sons que se arrastam com areia nos pés. Enfiadas em chinelos de praia, riem-se e pronto.
Não têm angústia, não têm nada. É tempo a mais de transparência.
Mas em Setembro começo a ter esperança outra vez, pois o sol é um balão cor de laranja que morre espetado nos picos dos figos da Índia. Em Setembro já há mais noite e por isso começo a ver melhor o que está dentro do ocaso da vida.
E as palavras moribundas, as palavras secas, as palavras bronzeadas, as palavras com restos de camarão cozido entre os dentes, pressentem o definhamento da claridade. E ficam felizes. Aliviadas. Pressentem que as nuvens hão-de vir e que depois virá o vento e depois as formigas de asa e depois a chuva e depois o frio e depois as camisolas de lã e depois as lareiras acesas e depois as castanhas assadas e depois as ruas sem ninguém e depois o vinho tinto e depois o ânimo e depois as conversas em que as palavras são sopas de açorda temperadas com coentros e um dente de poesia. Até às tantas.
Em Setembro, depois de sair de um deserto de sol, apetece-me arrumar a vida. Apetece-me pensar outra vez, recomeçar a sentir a fragilidade da existência, regressar à dúvida, cimentar ilusões.
Apetece-me regressar à rotina, preparar a lenha de azinho, fechar as janelas, calçar pantufas, voltar a ler antes de dormir.
Em Setembro já há um prenúncio de romãs doces na minha boca e por isso não me importo que a luz se desprenda das árvores e morra.