Sala de Espera

Vítor Encarnação

A luz é baça e a espera também. Na parede, os ponteiros do relógio levam o tempo às costas. Tão devagar. O tempo é uma coisa tão pesada quando se espera. Na sala de espera, o silêncio rói as unhas e desenha rugas e olheiras no rosto das pessoas hipnotizadas pelo cansaço e pela preocupação. Talvez tenha sido só um susto.
É da idade. Tensão alta e problemas nos ossos. São os perigos da juventude. Acidente de mota e álcool a mais. Dois opostos com uma maca, uma cadeira de rodas ou um frasco de soro como destino comum.
A boca asséptica da entrada das urgências engoliu-os. Levavam uma fita atada ao pulso, piores o que iam de vermelho, assim como quem já leva o sangue a jorrar-lhe do corpo.
Uma sala de espera é um velório de esperança. E na esperança também há triagem. Há quem fique com mais e traga no sorriso uma fita azul da cor do céu. Não é nada. É apenas uma nuvem no corpo, uma tontura, uma constipação. Há quem fique com menos e tenha uma fita vermelha atada ao coração. É tudo. Um acidente, um AVC, um cancro.
Quando se abre a porta de batente, as cabeças rodam como molas de ossos e pele, os olhos acendem-se e os corações aceleram. Uma bata branca passa, mas nem olha, muito menos diz alguma coisa. E as bocas suspiram, os dedos passam pelo cabelo, a testa tomba para as mãos, os olhos empurram os ponteiros noite acima.
Algumas pessoas trocam silêncios, moem-se com os seus pensamentos, não sabem se foi a última vez que viram o corpo que os bombeiros trouxeram ainda com vida.
Preferem a omissão porque a dor não se diz.
Outras pessoas falam, – não é claro que não estejam a falar sozinhas – descarregam palavras como barragens demasiado cheias. E as palavras são abelhas tontas, cegas, zumbindo, batendo nas paredes, no vidro do relógio, nas janelas, na falta de paciência. Falam e procuram os olhos de alguém que lhes sustente o discurso para parecer um diálogo. Os familiares dos das fitas azuis, verdes e alguns das amarelas ainda lhes respondem ou acenam a cabeça para acenar que sim ou que não. Os que trazem fitas laranjas urgentes no peito e os que trazem fitas vermelhas emergentes no coração ficam imóveis, calados, encostados a si.
Começaram por ser frases soltas, mas em crescendo de dramatismo, já são histórias de acidentes mortais, poucas vergonhas na casa dos segredos, homicídios, adultérios, doenças incuráveis, tias entrevadas, o custo de vida, netos metidos na droga e receitas de azevias.
As vozes são arame farpado a enrolar-se nos ouvidos, na garganta, no peito, no coração dos que desesperam.
A pouco e pouco, o relógio vai vencendo a noite e a sala vai ficando deserta.

A senhora que regista a entrada dos doentes opera uma camisola de lã com dedos de cirurgião.
Lá fora, os bombeiros fumam cigarros e esperam que a dor os chame.

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