Um carro parado. Um homem e uma mulher. Jovens. A lua. De mel.
– De que cor é a tua solidão? – Pergunta-lhe ele ao ouvido, num timbre sereno.
– A minha solidão, meu amor, é da cor da tua ausência- responde ela com palavras encostadas ao ombro dele. – De que cor sou eu então quando estou?
– És da cor do vento quando amaina. Do tom de toda a ternura. Do rubor incandescente do desejo maior – diz-lhe ela a meia altura dos seus lábios.
Os dela são já vaga-lumes ardendo na noite. Os dele água e sede ao mesmo tempo.
Ele pede-lhe a mão. Ela dá-lha sem ter medo de nada.
Ele agarra-a, puxa-a para si e beija-a lentamente. Absorve-a. Primeiro a pele. Depois o calor.
– E se eu te disser que até agora só fui o tempo que gastei até ti? E que a memória é apenas fria cinza? E que só depois de ti se fez tudo? Que afinal existe um deus? Que o mundo se formou de repente na geografia do teu corpo? Que as cores nasceram dos lápis com que pintas o rosto? Que os cheiros surgiram dos perfumes com que me embebedas? Que os sabores que existem trouxeste tu na tua língua? Que me destes tu a alma? Acreditas?
O silêncio é escuro e quente.
– Sim acredito, porque quando o dizes sinto que me respiras. Porque me enches. Porque sinto estrelas brilhando no meu seio. Porque cada um de nós, todo, é a metade que falta ao outro. Porque as tuas palavras escorregam pelo meu corpo como gotas de cacau morno. Porque contigo estou em paz.
Pois aqui é preciso parar o diálogo porque os olhos engoliram a voz e as bocas são agora dois mares alterados, dois barcos que se abalroam. E eles dois piratas bons trocando tesouros.
Sentados na parte da frente do carro guiam a vida nos braços um do outro, férvidos, resvalando nas curvas da noite. Cada banco do carro é um banco de jardim, uma manta estendida na relva, a magia da música, a última fila do cinema, uma duna, uma tenda de campismo, uma fogueira na praia, um jantar à luz da vela, o vinho que entontece. Portanto, cada banco é um leito qualquer, feito de chão, ou de penas, desmanchado, aberto com os dentes, sem almofadas para abafar os gritos.
Se descobrirem lágrimas no rosto um do outro é porque se rebentaram os diques da dor presa. Choram por estarem felizes. Muito. E abraçar-se-iam ainda mais se isso ainda fosse possível.
Ele diz-lhe devagar:
– Já decorei a tua essência, meu amor.
E ela ofegante e completamente viva, responde-lhe:
– E eu parece-me que o resto do mundo parou por causa disso.
Um carro parado. Um homem e uma mulher.
Jovens. A lua. Só.
Silêncio. Frio. Ausência. Preto e branco.
Ele pensa. Ela pensa.
Que tudo podia ter sido assim como no diálogo.
Mas não foi.
Foi apenas mais um triste sábado à noite.