Muito se tem discutido nos últimos tempos (e ainda bem!) sobre a pobreza e as desigualdades sociais em Portugal. Na origem desta onda estão alguns estudos e relatórios que encontraram neste época de crise económica internacional terreno mediático fértil e nalguns comentadores e políticos veículos de propagação. Naturalmente que os números divulgados são preocupantes mas será que lhes iríamos dar tanta importância se fossem divulgados daqui a uma semana, em pleno campeonato europeu de futebol?
Mais do que a importância dos números importa perceber o que está por detrás dos números, a verdadeira essência da questão e que pode apontar pistas para o futuro. Se por um lado o Relatório da União Europeia, através do Eurostat, coloca em evidência a nossa posição relativa em comparação com os nossos parceiros da Europa e com outros países de referência, que não é invejável, contudo, é no estudo que foi elaborado por uma equipa liderada pelo professor Bruto da Costa, intitulado “Um olhar sobre a Pobreza”, que encontramos uma reflexão mais profunda sobre esta realidade da pobreza e das desigualdades sociais e em que se centra a discussão de forma decisiva: como lidar com a pobreza?
Para facilitar a leitura enuncio apenas algumas das conclusões deste estudo, a partir das palavras de Alfredo Bruto da Costa em entrevista ao jornal “Público”: 1) o conceito de pobreza – “O pobre, na definição adoptada no estudo, é alguém que não consegue satisfazer de forma regular todas as necessidades básicas, assim consideradas numa sociedade como a nossa. Miséria é uma parte disso.”; 2) quem são os pobres? Não são apenas os denominados grupos vulneráveis – reformados, idosos, desempregados – são também os trabalhadores por conta de outrem que auferem baixos rendimentos que, de alguma forma, não são suficientes para cumprir os compromissos financeiros mensais das famílias; 3) a dimensão da pobreza em Portugal – “Este é um aspecto da pobreza que, em Portugal, é analisado pela primeira vez: quantas pessoas, ao longo de seis anos, passaram pela pobreza e foram apanhadas como pobres em pelo menos um dos anos?”. Segundo o estudo, 47% das famílias passaram por esta situação.
Se tomarmos em linha de conta estas conclusões podemos fazer ligação imediata com a questão enunciada previamente e que, a meu ver, deve centrar o debate: como lidar com a pobreza? Em primeiro lugar apercebemo-nos que a pobreza é algo que não toca apenas certos grupos (os dados revelados recentemente pelo Banco Alimentar Contra a Fome reforçam esta ideia), ou seja, é um fenómeno que pode tocar qualquer pessoa ou família e como tal não resulta duma suposta incapacidade para lidar com os desafios do trabalho e da vida. Não é, por definição, pobre quem não quer trabalhar nem quem é preguiçoso. Esta questão é fulcral e coloca em cima da mesa um desafio: como mudar esta mentalidade pobre? Na reflexão de Bruto da Costa é salientada a importância da Educação e da forma como esta está desenhada e é aplicada. É importante pensar a Educação como um processo que se dirige a todos, essencial para construir uma verdadeira e efectiva cidadania, em que os valores da solidariedade, da justiça e do desenvolvimento possam sobrepor-se à linha de pensamento do “com o mal dos outros posso eu bem”. Neste sentido, temos que pensar numa Educação em que a escola está aberta à comunidade, que está ligada ao território em que se insere, que constrói um caminho partilhado por mais agentes que apenas os professores e os alunos, em que a Educação extravasa os espaços formais e que todos os recursos da sociedade estão ao serviço da Educação. Já muito se vai fazendo por aí, nos territórios, neste caminho, mas poucos, muito poucos, lhe dão a devida importância e valor.
Outra dimensão da resposta a este problema encontra-se relacionada com a definição das políticas sociais como campo exclusivo de actuação, o que revela pobreza na estratégia. Como Bruto da Costa sustenta, parte do problema exige acções de política económica quando se refere ao nível salarial e à relação entre empresas, capital e trabalhadores. Mais do que respostas sectoriais, importa encontrar respostas integradas que interliguem respostas de integração social, de assistência social, de promoção do empreendedorismo, de inovação e desenvolvimento organizacional, de promoção de emprego qualificado e qualificante e de inclusão territorial. Pequenos passos foram dados neste sentido na definição teórica da programação do QREN. Contudo, esta não é ainda, de forma alguma, a resposta dominante colocada em prática nem parece vir a ser nos tempos mais próximos.
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