Ao iniciar este rascunho, chegam-me pelas ondas da rádio os acordes familiares de “Os Vampiros” – a emblemática criação do Zeca, de uma actualidade gritante nos dias de chumbo que vão correndo:
<i>São os mordomos do universo todo
Senhores à força mandadores sem lei (…)
Vêm em bandos com pés veludo
Chupar o sangue fresco da manada
Se alguém se engana com seu ar sisudo
E lhes franqueia as portas à chegada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada</i>
A letra não podia vir mais a propósito do tema desta crónica.
Com o Orçamento aprovado e carimbado pela abstenção do PS, Passos sente-se Seguro para brandir novas medidas de austeridade. Aquando do PEC 1 (já lhes perdi a conta…) escrevi que não se acalmam vampiros jogando-lhes carne fresca. O Zeca já sabia: estes governos, tal como “os mercados” são insaciáveis!
E o famigerado Gaspar das Finanças veio anunciar, com a integração na Segurança Social do fundo de pensões dos bancários, uma “folga” de dois mil milhões de euros para “injectar na economia”…
A coisa tem requintes de malvadez, desde logo porque esta verba é superior ao corte dos subsídios de férias e Natal de 2012. Depois, abusa do dinheiro dos descontos dos trabalhadores bancários (não confundir com banqueiros…) para distribuir subsídios a algumas empresas que, em grande parte, servirão para pagar dívidas à banca, como se não bastassem 12 mil milhões de euros postos à sua disposição pela “troika”. E, no final, a Segurança Social e o Estado ficarão mais endividados.
Esta operação resume, de forma exemplar, o conteúdo e o resultado do “tratamento de choque” a que Portugal e um número crescente de países europeus estão a ser submetidos. Pagam sempre os trabalhadores, lucram sempre os bancos; a recessão económica e o desemprego batem recordes; e, “se tudo correr bem”, no final de 2013 estaremos a dever mais 30 milhões de euros, de novo com os credores à porta.
Em 24 de Novembro, mais de três milhões de trabalhadores ergueram-se na greve geral contra este caminho de catástrofe nacional e escravatura laboral, pelo trabalho com direitos, por alternativas políticas que promovam o emprego e apoiem a economia real. A arrogância do Governo e a tradicional “guerra de números” não beliscaram o impacto desta primeira greve geral contra as políticas austeritárias e o seu enorme significado como gesto de coragem e indignação colectivas.
As provocações, inclusive a infiltração policial nas manifestações de 24 de Novembro, revelam os tiques autoritários do Governo e de uma direita obrigada a conviver com a democracia desde o 25 de Abril. A defesa da liberdade de expressão e manifestação, a par do direito à greve, voltaram à agenda.
Em semana de Cimeira Europeia, convocada para ratificar o resultado do almoço entre Merkel e Sarkozy, não é aceitável a imposição de medidas como a fiscalização prévia dos orçamentos nacionais, o agravamento das sanções contra as economias ou a suspensão dos fundos estruturais, quando o BCE alimenta a especulação, emprestando a juros de 1% aos bancos que cobram 6% ou 7% sobre as dívidas soberanas.
Por isso é tão oportuna a iniciativa de Auditoria Cidadã à Dívida, que separe o trigo do joio e mostre quem deve a quem. O povo tem o direito de não pagar dívida que decorra de juros especulativos, de contratos ilegais ou prejudiciais e de encargos insuportáveis.
O Zeca aprovaria uma adaptação da letra: Vampiros, basta!