O teatro do futebol, os dribles do teatro

Quinta-feira, 17 Setembro, 2020

António Revez

<b>1.</b>Há algumas semanas atrás fui a Serpa assistir ao derby regional entre o Futebol Clube de Serpa e o Desportivo de Beja. Analisemo-lo segundo dois prismas, o desportivo e o sociológico.
Desportivamente observado, o derby teve tanto de excitante como de anedótico. Excitante porque houve golos, pénaltis, perdidas clamorosas, futebol de ataque de ambas as equipas e a disputa acesa do resultado até ao final; anedótico porque houve uma arbitragem desastrosa e desastrada, que mostrou uma mão-cheia de cartões amarelos pelas faltas mais banais e inofensivas, que não mostrou cartão nenhum pelas faltas mais grosseiras e graves. Mas para além de uma arbitragem sem a mínima qualidade e bom senso, outras coisas houve que vão marcando a realidade desportiva dos campeonatos de futebol, dos distritais aos nacionais, e que são absolutamente delirantes. Refiro-me às espectaculares simulações que os jogadores fazem em campo, ou para arrancar uma falta do adversário ou para ganhar mais uns segundos do tempo de jogo. Simples encostos ligeiros são transformados nas mais teatrais quedas e cambalhotas e saltos mortais com piruetas, acompanhados de gritos de dor lancinantes, que, a julgar pela potência vocal, diríamos todos que o desgraçado do jogador ficou com múltiplas fracturas expostas ou que lhe arrancaram a bolsa testicular. Mas não, não se trata quase nunca de qualquer lesão, tanto que, caso o árbitro descubra a matreirice e não marque falta, o jogador simulador depressa se levanta de um salto e corre disparado como se tivesse um foguete no rabo. Enfim, há espectáculo, mas um desafio de futebol não é exactamente uma comédia de revista.
Sociologicamente falando, só uns breves apontamentos. É chocante ouvir de tanta gente, dos mais novos aos mais graúdos, nesta altura do campeonato civilizacional, bocas racistas e xenófobas cada vez que um jogador com um tom de pele mais escuro toca na bola. Por acaso, o Desportivo tem vários jogadores africanos no plantel e o que eu ouvi em Serpa foi um festival de atrasadices mentais. Já agora, e na mesma linha do insulto, também não seria má ideia muitos espectadores moderarem as ofensas verbais aos jogadores adversários, parte deles naturais e residentes em aldeias e vilas próximas. É que a probabilidade de amigos e familiares estarem presentes nas bancadas é grande, tal como é grande a possibilidade de deles vir um soco certeiro cada vez que um energúmeno resolve chamar a um jogador, em plenos pulmões, e só porque este fez uma boa finta: chulo, cabrão, urso, nojento, cornudo. Depois admirem-se de ir para casa com um olho “à Belenenses”.

<b>2. </b>A companhia “profissional” de teatro Arte Pública, sedeada em Beja há uma porrada de anos porque um casal de artistas, fartos das frustrações e dificuldades da capital, encontraram aqui na parvónia o local ideal para vender o seu delírio de teatro pós-moderno muito à frente, tem parido nos últimas semanas, crê-se que pela mão da sua mentora e dirigente máxima, dona Gisela, um conjunto de cartas abertas ao presidente da Câmara Municipal de Beja. Estas cartas (já vai na terceira) têm sido divulgadas pelos canais blogoesféricos da região e encontram-se disponíveis no blogue pessoal da dona Gisela. E são de leitura obrigatória, porque demonstram até que ponto o descaramento pode ser divertido.
Ora, para quem não sabe, importa dizer que a Arte Pública é uma associação que, apesar de já ter sido provado em tribunal que padecia de várias irregularidades, nomeadamente ao nível da constituição dos seus órgãos sociais, onde as mesmas pessoas acumulavam diversos órgãos e detinham o controlo da gestão financeira e da vida regular da associação, recebe há muitos anos chorudos e avultados apoios do Ministério da Cultura e da Câmara Municipal de Beja. E o que é que a Arte Pública faz com tanto dinheiro? Pois é uma boa pergunta. E eu não sei dar a resposta, mas era bom que as entidades que continuam a financiá-los se interessassem verdadeiramente em saber.
É que se atendermos às produções da Arte Pública nos últimos anos, constamos que muitas delas são reposições de reposições e outras tantas são performances multimédia, poéticas e musicais, com meios modestos e um número reduzido de actores. Mas vejamos: onde um grupo de teatro sério e responsável pode orçamentar uma produção em cinco ou seis mil euros, outro grupo chico-esperto não conseguirá orçamentar a mesma produção senão pelo quádruplo ou quíntuplo dos valores; bastará que para tal se anexem currículos de pessoas prestigiadas que até podem já não trabalhar com esse grupo, mais uma justificação hermética colorida de palavreado holístico, e a coisa fica com um impacto dos diabos e só não engole quem é tolo e não percebe nada destas esquisitices modernas que custam “bué da” dinheiro! Pois é…
Podemos pensar que as produções e <i>workshops </i>da rapaziada da Arte Pública são de um nível, exigência e meios tais, que nem o orçamento de Estado, feitas bem as contas, lhes chegaria para que o preço fosse justo. Mas, justo ou não, a Arte Pública lá tem recebido anualmente o seu gordo quinhão do Ministério da Cultura e da Câmara Municipal de Beja. Então, sendo assim, a que se deve agora estas cartas abertas desmioladas? Há quem diga que é pelo facto da Arte Pública ter ficado, ou vir a ficar, sem o generoso subsídio anual que recebia da Câmara Municipal de Beja, mas há quem diga que tanto alarido e verborreia se deve apenas ao facto do senhor presidente da Câmara Municipal não conseguir receber a dona Gisela, já lá vai para quase dois anos. Receba-a homem! E, já agora, peça-lhe a papelada toda e as continhas todas desde que a Arte Pública existe! Não vai dar por mal empregue tal momento de comédia ou de tragédia…

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