O sustento

Pedro Prista

professor do ensino superior

No final da próxima semana estará a debate em Odemira o desenvolvimento sustentável no Baixo Alentejo. A iniciativa parece fora de época e o assunto um chavão. Hoje, mais que desenvolver há que aguentar, e a sustentabilidade reduziu-se ao mero sustento. No horizonte da crise só cabe o que esteja à mão e à vista; à mão e à vista de cada um por si. Muito acima e muito longe, altos poderes destinam o mundo e uma prudência antiga aconselha a procurar abrigos.
É justamente por causa deste ânimo aviltante, e que só aprofunda a crise, que não podia ser mais oportuno avivar o debate em torno de uma escala territorial pequena e do seu desenvolvimento sustentável.
Fará em breve 20 anos que a Cimeira do Rio consagrou o imperativo da sustentabilidade do desenvolvimento e com ele a expressão popularizada pelo célebre “relatório Bruntland”. A ideia estava já, claro, anunciada, inscrita e activa no pensamento de muitos autores bem como na orientação de várias políticas internacionais, mas foi só entre 1987 e 1992 que ela alcançou a capacidade de unir objectivos e integrar reflexões sobre problemas que ficaram entretanto mais bem revelados, formulados e comunicados.
A ideia base consiste num princípio de bom senso: não comprometer com a vida de hoje as condições para a vida amanhã. Inicialmente centrada nos recursos naturais e particularmente os alimentares e energéticos, assume uma visão ecológica da natureza e uma responsabilidade intergeracional para toda a humanidade. Algo bem diferente da ingénua confiança no crescimento interminável e desigual e nas soluções tecnocientíficas providenciais e garantidas.
Das três bases em que assenta o desenvolvimento sustentável – ambiental, económica e social – a última permanece mais problemática. Não que as duas outras sejam simples ou unívocas, mas porque é sobre esta que menos domínio científico se alcançou e porque é na dimensão social que se reflecte uma dupla complexidade do problema: a dos próprios factos sociais em si e a da ser sob determinação social que se produz o conhecimento de todas as três, bem como a própria possibilidade política de se sair da insustentabilidade.
As ciências da sociedade vivem hoje acossadas ao mesmo tempo pela comercialização do saber e pela usurpação ideológica, mas elas são indispensáveis para que factores de sustentabilidade como a governança participativa ou a articulação entre escalas sócio-territoriais não se fiquem pelo simplismo, mas permitam traduzir formas crescentes de capacitação para um desenvolvimento sustentável, aberto aos outros e lúcido. Por outras palavras, para o sustento da vida humana de forma humanizada.
São grandes as exigências colocadas ao saber científico e à capacidade pública para pensar acertadamente. Que o efeito encantatório da palavra “sustentabilidade” não nos embale na ilusão de que traz consigo uma chave fácil para abrir o futuro, ou pior, que nos sirva de narcótico para aceitarmos sem dor que ele deixe de existir.

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