Ali estava ela, plena, inteira, livre… Com erros cometidos no passado, próprios de quem estava a crescer e a amadurecer. O passado era pesado, mas as lições serviram para seguir em frente. 1991 foi o ano da primeira página que se escrevia em liberdade.
Podíamos estar a falar de uma mulher, de uma democracia, de um direito ou de uma página da história. Mas falamos da Ucrânia.
A soberania de um país não se mede por vontades, por oportunidades perdidas, nem por ressabiamentos mal curados. Ninguém é dono da liberdade, seja ela de uma mulher, de uma democracia ou de um país, independentemente do que tenha construído ou destruído no passado.
A Rússia, mal amada pelos seus antigos territórios, hoje livres do seu jugo, ainda mal curada e ressabiada de um passado a que mais ninguém quer voltar, a não ser a própria, invadiu uma Ucrânia soberana, livre e plena. Diariamente mata, viola e leva a fugir mulheres, crianças e idosos, da sua própria terra, em nome de uma desculpa pornograficamente escandalosa, apenas defensável por poucos que não querem ver a realidade que nos entra em casa diariamente.
É de condenar o que o Secretário Geral do Partido Comunista Português afirmou há dias (e cito) “não houve uma invasão, houve uma operação militar. As imagens que temos é que de facto há um conflito, há uma guerra”. Eventualmente cansado do tempo que leva no cargo, Jerónimo de Sousa não encontra evidências que a Rússia tenha invadido a Ucrânia.
É de facto uma pena que este Partido Comunista Português não siga na atualidade o que o ilustre Álvaro Cunhal defendia para as ex colónias portuguesas, considerando que (e cito) “a amizade, fraternidade, solidariedade e cooperação combativa com os movimentos de libertação nacional das antigas colónias portuguesas inscrevem-se como princípios de ouro na história do Partido Comunista Português e do próprio povo português”
O que Cunhal percebia, defendia e considerava de ouro para a libertação das antigas colónias portuguesas, não serve agora, a este mesmo partido, para expressar fraternidade, solidariedade e cooperação com a Ucrânia, que durante anos fez parte da União Soviética e entretanto se libertou, como se libertaram de Portugal as nossas antigas colónias.
Mas não foi só Álvaro Cunhal que defendia o direito à libertação. Jerónimo de Sousa, em declarações ao Jornal “Público” em setembro de 2006, afirmou que “a maior violação dos direitos humanos é impedir que um povo tenha direito à sua soberania e à sua liberdade“.
Falava da presença das FARC Revolucionárias na Festa do Avante, mas aparentemente a liberdade que defendiam para esta causa, não se aplica à liberdade do povo ucraniano de defender o seu país, o seu estado… a sua soberania.
Por mais discursos e explicações contorcionistas que se procurem fazer, a verdade é que todos percebem que há um agredido e há um agressor e depois há quem titubiantemente afirme que não há uma invasão. Que se quer a paz pela paz e com a paz.
Quem, de forma intelectualmente desonesta, saiba apontar os alegados defeitos do agredido e não saiba dirigir uma palavra de condenação ao agressor.
Vergonha alheia é o que se sente quando se ouve e lê o PCP a defender o indefensável. É com lamento que vemos um dos partidos fundadores da atual caminhada democrática portuguesa, que faz falta ao sistema democrático e plural do nosso país, chegar a este ponto de não condenação de uma barbárie como a que assistimos dolorosamente.
Saber que se senta, em número cada vez menor, na Assembleia da República um partido que é próximo das posições do agressor Russo e não tem a clareza de mente para repudiar os seus atos de agressão, mantendo-se contra quem é atacado, é politicamente vergonhoso.
Um partido que recebe na sua casa maior, a Festa do Avante, as FARC colombianas e que recebe em algumas das suas freguesias a Associação de Antigos Guerrilheiros Angolanos está, como escreveu José Pacheco Pereira, a “afetar não apenas a si mas também a saúde da democracia muito para além de si mesma”.
Mais do que estar mais uma vez do lado errado da história, o PCP enfraquecendo-se a si próprio, enfraquece a pluralidade democracia que ajudou a construir no nosso país. Também no final dos anos 80 esteve do lado errado do muro que foi derrubado na Alemanha, que afinal se constatou trazer abertura e liberdade
Em liberdade não há o nós e o eles, há o certo e o errado e, neste caso, o agressor e o agredido.
Da mesma maneira como o povo Ucraniano se livrou do outrora império soviético em 1991, poderíamos aplicar ao atual ponto da história aquilo com que o ex-primeiro ministro Vasco Gonçalves, encerrou o seu discurso em Almada em agosto de 1975:
… todos os patriotas, todos os democratas, seja qual for o partido político a que pertencem, devem unir-se numa frente de defesa das liberdades democráticas, inabalável e indestrutível!
Devemos, enquanto povo europeu, enquanto povo que deu mundos ao mundo, condenar esta invasão, devemos ser fraternos com o povo ucraniano e defender a liberdade.
O imperialismo e a oligarquia não passarão !