O amor e o luto…

Quinta-feira, 17 Setembro, 2020

Paulo Geraldo

professor de língua portuguesa

Em muitos lugares já quase não se vê ninguém de luto. Não é já tão frequente vermos pessoas usando, de cima a baixo, aquelas roupas muito negras.
Aqui há dias, dei por mim a reflectir neste assunto.
Possivelmente, esse antigo costume – tal como muitas outras coisas – tende a desaparecer. E posso dizer que, do ponto de vista estético, me alegro com o facto. O negro fere os olhos e entristece a alma. É preferível o sol, as flores, sorrisos.No entanto, não recusei investigar acerca dos motivos de uma certa pena que, simultaneamente, senti dentro de mim.
Que perderemos quando perdermos o luto? Que significado existe em que o seu uso se esteja a perder?
O luto acontecia quando a nossa vida se encontrava de tal forma ligada a outras vidas que – perdendo-se alguma delas – a nossa era abalada nas suas mais profundas raízes. Perdíamos então, de algum modo, o nosso sol e as nossas flores com a morte da nossa mãe, de um filho, da mulher, do marido…
Não conseguíamos arranjar espaço para os sorrisos, e a forma de nos vestirmos manifestava a ausência de cores que nos ia por dentro.
O luto implicava, portanto, que o sentido da nossa vida não estava em nós mesmos; que a nossa vida era concebida em função das suas ligações aos seres que nos eram próximos; que vivíamos para os construir e para sermos por eles construídos.
O luto significa a realidade de um amor que não morreu dentro de nós. De um amor que – por ser tão grande e profundo, por ser tão… único – não pode ser esquecido ou substituído enquanto durar o tempo de afastamento.
Se estamos a perder o luto, isso resulta de uma destas coisas:
Que hoje não nos encontramos ligados dessa forma tão intensa àqueles que nos rodeiam. Eles não fazem profundamente parte de nós; são pouco mais do que paisagem e companhia. Assim, a perda de um desses seres não nos afecta tão profundamente e de forma tão duradoira. Consideramo-la como mais um desgosto, que tentaremos esquecer pensando noutras coisas, mas não como uma perda que afecta a própria substância do nosso ser. Se assim for, o desaparecimento do luto manifesta, talvez, que nos tornámos um pouco mais mesquinhos e egoístas… E mais solitários.
A segunda hipótese é que a nossa educação estética melhorou muito. E que, mantendo toda a profundidade que se referiu nos parágrafos anteriores, preferimos guardar dentro de nós os nossos sentimentos, ou manifestá-los de algum outro modo que julgamos ser de maior bom gosto.
Isto é mais aceitável, porque o essencial fica salvaguardado.

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