Novas Oportunidades, Velhos Mitos!

David Marques

A 14 de Dezembro de 2007 publicou este jornal um texto de opinião da minha autoria com o título “Duas notas de fim de ano”. A primeira nota rezava assim:
“Foi com alguma emoção, pouca e contida, apesar de tudo, que assisti à animada troca de palavras entre o líder parlamentar do PSD e o primeiro-ministro, na última sessão de debate parlamentar, sobre a iniciativa Novas Oportunidades e sobre os processos de reconhecimento e certificação de competências. É curioso e recompensador que figuras tão gradas da política nacional dêem tal importância a este assunto, principalmente quando recordo os primeiros tempos dos então designados Centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (CRVCC), estávamos nós no ano de 2001. Para quem não sabe, no princípio foram seis centros no país, sendo que um destes seis era promovido pela instituição a que pertenço, enquanto que hoje se apresentam 270, estando definida a meta de mais de 400 em 2010. Desde então conhecemos quatro primeiros-ministros, muitas alterações aconteceram – acabaram os CRVCC, criaram-se os Centros Novas Oportunidades (CNO), com novas atribuições, já com este Governo, massificou-se a abordagem e o alcance, estendeu-se o processo ao nível do Secundário, definiram-se novas tutelas e voltou-se ao modelo anterior, investiu-se muito dinheiro em campanhas, internalizou-se de forma massiva o sistema nos centros de formação do Estado e nas escolas públicas. Simultaneamente, existiram vertentes que em nada mudaram: a) No início as instituições privadas promotoras de centros recebiam o reembolso dos custos de funcionamento com quase um ano de atraso; hoje, também; b) A opinião pública pouco ou nada percebia sobre a essência do sistema de RVC, então marginal. Hoje, apesar do dinheiro investido em campanhas, apesar da dimensão da rede de CNO, nada se percebe. c) Por último, e não menos importante, o Estado poucas ou nenhumas iniciativas tinha de regulação da qualidade do trabalho desenvolvida pelos CRVCC, limitando-se a verificar metas físicas e financeiras, isto quando a rede não chegava à centena. Hoje, com 270, acham que alguém o faz? Por estas razões, é com ironia (de que outra forma poderia ser?) que observo a evolução das coisas neste final de 2007, com pouca confiança no futuro deste sistema, que é bom na sua essência mas que está à mercê das decisões de quem não parece conhecê-lo, que está no centro do debate político, justiça seja feita a este Governo, mas que é discutido de forma superficial e geradora de estereótipos que só o desacreditam.”
Quase quatro anos depois, mais 200 CNO’s criados por todo o país, a mesma discussão superficial, o mesmo destino indefinido. Importa, contudo, a bem da verdade, esclarecer alguns mitos:
<b>1º – </b>Essa ideia peregrina que faz da iniciativa Novas Oportunidades um seio de facilidades sem fim e da escola e do percurso tradicional de ensino um caminho imaculado de virtudes, de rigor e de excelência da aprendizagem, só pode advir do desconhecimento ou de má intenção. Seja qual for o razão, o resultado é igualmente negativo, porque se nega através do preconceito o valor devido a quem durante a vida ultrapassou as dificuldades de partida, criadas por um abandono precoce da escola, através duma caminhada de aprendizagem, de valorização pessoal no contexto do seu projecto profissional. Perante os desafios colocados, estas pessoas souberam fazer das suas fraquezas forças e qualificar-se. Quantos de nós conhecemos homens e mulheres que não foram além da quarta classe, do sexto ou sétimo ano e têm hoje uma cultura, um nível de conhecimento, um conjunto de competências que farão um jovem finalista do 12º ano corar de inveja? Muitos, certamente. Uma sociedade que reconhece este esforço não faz mais do que elementar justiça;
<b>2º – </b>Com isto não isento de críticas as Novas Oportunidades. Não o faço agora, como já não o fiz no passado. Querer atribuir a este programa, através de duma massificação da resposta, a responsabilidade de inverter ou resolver o défice crónico de qualificações da população portuguesa é, na minha opinião, excessivo e perigoso. Para este efeito, importa olhar para as Novas Oportunidades nas suas diferentes dimensões, em particular as que recaem sobre os adultos, sendo que deixaremos de lado nesta análise o eixo de qualificação dos jovens. Se é verdade que o alargamento das respostas formativas como o são as Acções de Formação Modulares (de curta duração e para activos, sobretudo) e os Cursos de Educação e Formação de Adultos, também conhecidos por EFA (de longa duração e visando sobretudo população desempregada) pode ser a melhor resposta a uma óbvia desadequação do ensino recorrente, importa saber também que o Processo de Certificação de Competências desenvolvido directamente através dos CNO não é a resposta adequada para muita gente. Para quem não se lembra, o Ensino Recorrente foi a única resposta do Estado para a educação de adultos durante um longo período da história recente, pecando por resultados não satisfatórios (taxa de insucesso elevadíssima), por insuficiente formação dos docentes e por manifesta rigidez de currículos, negligenciando a diferente experiência extra-escolar dos alunos, que os colocava em patamares tão distintos. Uma política de educação para adultos, centrada na pessoa, no indivíduo, como único e detentor duma vida para além da escola, foi a grande mais-valia do Sistema de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC) criado entre 2000 e 2001, e que deu origem ao surgimento dos primeiros Centros de RVCC em 2001. Contudo, tal como foi criado, este sistema é uma opção para quem, de facto, desenvolveu e adquiriu competências, ao longo dum percurso profissional longo, que o colocam num patamar de escolaridade muito diferente, e superior, feitas as devidas equivalências e o respectivo balanço. Não é, naturalmente, a resposta para a grande maioria dos jovens que há pouco deixaram a escola e que “de cima” dos seus três anos de experiência profissional, poderão apresentar portefólios de aprendizagens vastos e completos (ressalve-se a expressão ‘grande maioria’, para evitar enganadoras generalizações). Por esta razão, nunca foi compreensível o enfoque das diferentes tutelas no cumprimento das elevadas metas de pessoas certificadas impostas nem tão pouco no desregulado alargamento da rede de CNO que só colocou mais pressão negativa sobre a qualidade do processo. Reconheça-se, ainda assim, os esforços recentes em ajustar as metas aos diferentes contextos territoriais;
<b>3º – </b>Um outro aspecto que julgo negativo foi a tentação do Estado de associar o processo de RVCC a uma solução automaticamente geradora de empregabilidade. Todos os estudos de avaliação (eles existem, sendo que a Esdime fez um em relação ao impacto da certificação nas pessoas que passaram pelo processo de certificação de competências do Centro sedeado em Ferreira do Alentejo, entre 2001 e 2004) o demonstram: os destinatários do processo de RVC são na sua maioria activos, que encontram no mesmo uma etapa de valorização pessoal, que pode gerar indirectamente, valorização e evolução profissional.
Mais se poderia dizer sobre esta matéria, mas nesta fase gostaria de concluir pelo seguinte: a quatro meses do final do ano, com o financiamento dos CNO para 2012 ainda como uma incógnita, com processos de balanço e de certificação que não se coadunam com as fronteiras dos anos civis e com equipas pedagógicas de mais duma dezena de pessoas, algumas delas com 10 anos de experiência, na expectativa duma suposta avaliação determinante, seria de elementar bom senso renovar os processos de financiamento, pelo menos por um ano, para que esta avaliação de facto tivesse tempo e espaço para fundamentar decisões. Esta opção, no caso de CNO geridos por organizações privadas sem fins lucrativos, representa para o Estado um encargo de cerca de 30% dos custos totais, ou seja, menos de 60 mil euros por CNO/ ano, ao contrário dos custos com os CNO públicos (escolas e centros de formação profissional do IEFP), que ultrapassam em grande medida este valor.

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