<b>I. </b>Sejamos realistas, exijamos o impossível!… Esta foi uma das muitas palavras de ordem que ficaram para a história do Maio de 1968, faz quarenta anos. Foi um mês efectivamente realista: exigiu o impossível e abriu as portas da modernidade. Nada, na nossa vida social, cultural e política seria como é, para o melhor e para o pior, se o Maio de 1968 não tivesse acontecido. Aliás, 1968 foi um ano especial: de Maio a Agosto muito se passou – Maio abriu as portas à futura queda do muro do Berlim, ao demonstrar à <i>outrance </i>que o conservadorismo e o tacticismo não eram valores exclusivos da direita tradicionalista e burguesa e que as esperanças depositadas nos socialismos “possíveis” não tinham razão de ser. Foi, também, no Agosto pós-Maio de 68 que os tanques soviéticos entraram Praga adentro e reintroduziram o Inverno na Praça Venceslau, acabando, por então, com a “Primavera de Praga”. Foi no Abril pré-Maio de 68 que Martin Luther King foi assassinado, por exigir para as minorias raciais aquilo que outros queriam manter impossível – a igualdade de direitos cívicos – e foi no Junho pós-Maio de 68 que Bob Kennedy foi, ele também, assassinado, entre outras razões por ter a noção realista da impossibilidade da vitória no Vietname.
Maio de 68 trouxe consigo o fim de uma aparente imutabilidade social modorrenta e previsível, agitando uma sociedade que vivia, sem o saber, o fim de um longo período de estabilidade e crescimento económico decorrente do pós-II Guerra. Maio de 68 trouxe consigo as sementes da globalização, cujas vantagens e inconvenientes sentimos hoje, duramente, no nosso quotidiano. Maio de 68 trouxe consigo a mudança cultural e social – a descoberta sem vergonhas da importância do prazer, o fim da passividade da mulher como actor social, a importância da comunicação. Maio de 68 marcou, paradoxalmente ou talvez não, o fim da hegemonia cultural francesa e o início dos tempos actuais do primado do mundo cultural anglo-saxónico. No fundo, Maio de 68 terá representado a válvula de escape que as sociedades necessitam para se transformarem elas próprias sem se porem em causa enquanto tal. Que significa, senão isso, a célebre afirmação <i>soissante-huitarde </i>de que “a humanidade só será verdadeiramente livre quando o último capitalista for enforcado nas tripas do último burocrata!…” quando o capitalismo se globaliza e a burocracia se desloca para a net?
<b>II. </b>Se os deuses não estão loucos, isso deve estar pelo menos muito perto de acontecer para as bandas da Ásia. O sismo de Sichuan, na China, e o ciclone e subsequentes inundações em Myanmar causaram, numa avaliação muito por baixo, várias centenas de milhar de vítimas directas e, provavelmente, afectaram ou afectarão milhões de outras vítimas. As semelhanças das catástrofes terminam, contudo, por aqui. Numa atitude inédita as autoridades governamentais chinesas abriram as portas do país à ajuda e à comunicação social estrangeiras, não tendo quaisquer problemas em aceitar ajudas e em assumir êxitos e fracassos no apoio possível às vítimas. Na antiga Birmânia, a cáfila há longos anos instalada e pela força mantida no poder, consuma um genocídio que nem o Cambodja de Pol Pot e Lon Nol faz recordar. Os generais de Rangun, ciosos de manterem intactos os circuitos de distribuição de droga que lhes garantem os dólares, impedem a chegada ao país de qualquer tipo de ajuda humanitária, bem como não mexem um dedo para socorrer as vítimas e para evitar as novas catástrofes que se avizinham, a que a fome e a morte por inanição de muitas crianças não serão estranhas. Por muito menos, que me lembre, o sr. W. Bush invocou o direito de ingerência humanitária para entrar pelo Iraque dentro, com os lindos resultados que se conhecem. Será que o petróleo que a Birmânia não tem torna estas vidas absolutamente desprezíveis?
<b>III. </b>O primeiro-ministro e os cigarros. Há coisas que não podem ser feitas, sob pena de se tornarem monumentos à incoerência. O importante não é Sócrates ter fumado no avião. O importante é o efeito negativo que o acto tem em quem vem à rua fumar. Pelo menos pague a multa, senhor primeiro-ministro…