Nós as Mulheres, elas as mulheres

Margarida Duarte

arquitecta

A revista “Visão” de 19 de Agosto tem um artigo de opinião escrito pela diretora Mafalda
Anjos onde refere: “Robert Fisk, talvez o jornalista que melhor conheceu o Médio Oriente e
o Afeganistão escreveu 3 dias depois do 11 de Setembro que o Afeganistão arrasa sempre
com os seus invasores”.
O custo da guerra travada (em vidas, dinheiro e armamento) falhou totalmente. Provou-se
mais uma vez que esta secular região tribal nunca se tornará uma nação livre e democrática
de acordo com os valores do ocidente.
Durante a guerra do Afeganistão, embora os números não sejam exatos, estimam-se que
terão morrido cerca de 4 mil soldados, 40 mil civis e que terá custado cerca de 2 biliões de
dólares… De nada valeu.
Hoje, os afegãos (mas principalmente as afegãs) estão novamente à mercê de um regime
cruel, opressivo, ditatorial, que maltrata e escraviza mulheres e meninas, prevendo-se uma
crise humanitária sem precedentes e onde todos os envolvidos (os Estados Unidos da
América e os seus aliados) falharam.
Tenho um desafio para vos propor: que me ouçam e que todos nós possamos refletir sobre
o desastre civilizacional que nos entra todos os dias em casa pelos meios de comunicação
social.
Sensivelmente há pouco mais de uma semana, os talibãs tomaram de assalto Cabul,
embora há já cerca de 2 meses estivessem a ganhar terreno em vários pontos do
Afeganistão. Era portanto, algo iminente que iria acontecer muito rapidamente.
Paralelamente a esta situação e embora possa parecer rebuscado, tenham na vossa
memória Portugal no pré 1974. Felizmente eu nasci em liberdade e democracia. Coxa, mas
inspiradora, com lacunas mas com oportunidades de se tornar cada vez mais e melhor na
perfeição que todos sonhamos. Ainda assim, eu, como mulher, posso vestir o que quiser,
usar maquilhagem, sair de casa sem o meu marido, ter formação onde quiser e mais tarde,
também se quiser, ter um cargo de direção ou chefia, assim como um cargo político, que já
ocupo.
Até 1974, estas eram algumas das situações impensáveis para as mulheres em Portugal.
Hoje, 20 anos depois da queda de um regime autoritário e opressivo, também o vai voltar a
ser no Afeganistão… Já começou a ser.
Não pensem que é um não assunto e que não nos diz respeito. Enquanto Sociedade de
Liberdade e Humanidade que se quer empática, é algo que diz respeito a todos nós.
Sabem o que é pior do que existirem liberdades negadas? É existirem pensamentos
aprisionados por vozes que não se fazem ouvir. Aprisionados pelo medo. A
indiferença, o não falar, o não explicar aos mais novos o que se está a passar é a pior
atitude que podemos tomar.
Sabiam que, entre 1996 e 2001, no anterior período de domínio talibã, as mulheres no
Afeganistão não podiam trabalhar fora de casa ou sair sem os maridos ou parentes homens
próximos? rir ou frequentar a escola? Que eram apedrejadas até à morte publicamente caso
fossem acusadas de ter tido relações sexuais fora do seu casamento? ou chicoteadas se
mostrassem os tornozelos? Que as meninas casavam com soldados talibã a partir dos 12
anos de idade, sendo violadas e violentadas física e verbalmente? Que as mulheres não
podiam ser assistidas por médicos e existindo tão poucas médicas e enfermeiras morriam
por falta de assistência nos cuidados de saúde? Isto não é uma história de ficção,
aconteceu, e acontece, no mesmo mundo em que eu e tu vivemos.
Estão em causa os direitos mais elementares do sexo feminino, o que me preocupa e me
deixa em alerta. O que estamos a assistir diariamente, quase em direto, é o pior que pode
existir na espécie humana e não esqueçamos outros países onde o mesmo acontece mas
que de tão fechados que são, ninguém fala porque simplesmente não são notícia.
29 regras em nome de algo que um grupo radical extremista julga ser mais importante do
que a essência de sermos nós próprios, pelo respeito que nos devemos uns aos outros,
pela empatia ao próximo e ajuda que todos nós merecemos ter e dar.
As perguntas que se colocam agora são muitas:

1. Para que serviram tantas mortes durante a guerra do Afeganistão?
2. O que irá o mundo fazer perante o retrocesso civilizacional que iremos
garantidamente assistir nos próximos meses?
3. Que responsabilidade irá assumir os Estados Unidos da América perante
este desastre protagonizado por si?
4. Mas principalmente e mais importante: o que irá acontecer às mulheres e
meninas afegãs que estão neste momento a experienciar o horror, o pânico,
a fome, o medo e o abandono…

Não fiquemos indiferentes! Pior do que existirem liberdades negadas é existirem
pensamentos aprisionados por vozes que não se fazem ouvir.

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