Natal

Quinta-feira, 17 Setembro, 2020

Vítor Encarnação

Chamar época de paz a estes Natais modernos é uma falácia, uma história de gula, um bocado de bolo-rei disposto numa ratoeira.
Dizer-se que é um tempo de tranquilidade, fraternidade, compreensão e amor será, quanto muito, uma simpatia e uma atenção que é devida ao Menino Jesus.
Tirando talvez Albufeira, o Sasha Beach e os concertos do Tony Carreira no mês de Agosto, nenhuma outra altura do ano é tão confusa como estes últimos dias de Dezembro.
Por estes dias, a vida é um presépio enfeitado com Euros, cheques, empréstimos, fiados e cartões de crédito. E se olharmos bem, há mais burros a venerar o menino do que no presépio original, onde se não me engano só havia um a representar a raça.
O espírito natalício não pede licença para entrar em nossas casas. Não o podemos deter, pois esse é o feitio e a natureza dos espíritos, mesmo que supostamente sejam bons. O problema é que a minha sala, onde eu gosto de estar em paz a ler o jornal, foi invadida por uma árvore de Natal pouco mais pequena do que a do Terreiro do Paço, o chão está minado com embrulhos e laços e papéis coloridos e há sacos suspeitos abandonados no hall de entrada. Para evitar qualquer acidente, aprendi a movimentar-me apenas quando as luzinhas da árvore de natal estiverem verdes.
Ontem, grande ingenuidade minha, entrei desprevenido e desatento no supermercado e apesar de ir na minha mão e dentro dos limites de ansiedade, fui atropelado por um carrinho com excesso de carga que vinha em contramão. Refeito do embate e assinada a declaração amigável de acidentes como manda a quadra, eis que fui esmagado por um exército de donas de casa desesperadas com o preço do bacalhau e a palidez da couve portuguesa.
Como se não bastasse, um primo meu, moço demasiado ansioso, não conseguiu esperar pela noite de vinte e quatro e já me disse que me vai oferecer o <b><i>Eu, Carolina</i></b>, 13ª edição, essa que já vem com o carimbo do tribunal de Gondomar e trás um prefácio escrito por aquele senhor de barbas do Benfica.
E porque vem no seguimento da informação do meu primo ansioso, o governo, por indicação do Procurador Geral da República, decretou que este ano o Pai Natal vai ser uma mulher e chama-se Maria José Morgado. Só resta esperar que ela nos ponha alguma coisa no sapatinho. É que a última vez que isso aconteceu eu era uma criança e ainda acreditava no Pai Natal e na justiça.
Apesar de ter a consciência tranquila, confesso que tentar devolver o Natal às crianças, ou seja dar prendas só às crianças e fazer com que os adultos percebam isso e não fiquem melindrados, está a ser uma tarefa que segundo agora sei, nem Hércules aceitou.
Dado que, por decisão da Assembleia da República, não o posso tratar por você, a si, Exmo. leitor, desejo-lhe um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo com toda a paz deste mundo, ou seja, aquela que o saldo da sua conta bancária lhe deixou.

<b>P.S. </b><i>Com o trânsito que há na entrada para o Algarve Shopping, se os reis magos vierem daqueles lados, chegarão atrasados ao nascimento do menino</i>.

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