Está quase, e é vital. A vida depende disso, de ser possível nascer. Nascer para fora e para o novo sem saber o que será. Nascer, de tudo o que tem sido, para o deixar de vez, entregue ao seu fim sem destino. Nascer sabendo que o novo nasceu e nada mais. Que o resto demora a terminar o seu fim, mas é só isso, um fim que se demora olhando o erro que é mesmo julgando encontrar ainda, na sua incompleta agonia, promessas de futuro onde há só a repetida sentença de já não ser mais.
Para fora da destruição vertiginosa de tudo na natureza, porque no meio dela só nós sabemos o que é a crueldade, e ainda assim deixamo-nos dominar pela genial cegueira das suas conquistas. As mesmas que nas suas vitórias nos extinguem, para nossa obtusa surpresa, esquecidos de sermos nós a única humanidade que existe.
Para fora da fanática turbina do dinheiro e das imensas pobrezas que gera; do crime anónimo que transformou o mundo nesta caveira com dentes de ouro, que ainda julgamos capaz de pôr a rir só porque fingimos não perceber que ela não passa de um espelho.
Para fora da omissão sistemática dos outros ao nosso lado, à espera que o tempo os esqueça e os leve por fim, deixando mais espaço, mais silêncio, e a cega segurança de mau agoiro num mundo só nosso, sem surpresa e sem diferença.
Para fora do demencial fascínio do poder consigo mesmo e da trágica lição que repete na história, de alcançar a irracional glória de vencer sem saber o quê, e apenas quem.
Para fora da desordem pavorosa desta guerra feita de todas as guerras para onde arrastámos a vida, que ainda assim vem nascer a este mundo que crucificamos todos os dias, e nos acena da cruz a lembrar que é nele que a vida nasce.
É para fora do erro que se nasce, para fora do que deixou de ter tempo e sentido porque nos perdeu de si. Porque não é a devorar os próprios olhos que se vê a verdade por dentro. Nem é possível matar para ter, que o ter assim depois mata; nem ser grande sem saber ser pequeno; nem inteiro sem ser parte também.
Nascer é ser capaz de ter depois. Mesmo sem pensar no que o depois trará, só porque nele podemos recomeçar a partir de nós, de frente a nós próprios, de novo simples e sinceros como as verdades, e deslumbrados com elas, que nesta altura são iguais à sua própria beleza, a beleza única do que acabou de nascer.
Está quase, e é vital. Vem lembrar o quanto é importante nascer, e nascer como Ele. Nem que seja num palheiro ou numa cova, no meio da noite mais comprida, sem agasalho nem festa, apenas olhado pelo olhar profundo do amor, esse mistério simples e essencial que inaugura o tempo.
Romaria da Senhora da Cola em Ourique
O santuário de Nossa Senhora da Cola, no concelho de Ourique, recebe neste fim de semana, dias 7 e 8 de setembro, a sua tradicional