Um destes dias, entre dois momentos de ensino à distância e um ror de pensamentos em conflito, uns ruins, outros mais esperançosos, um café a alegrar-me a boca e a dar algum sentido à manhã, sentado no sofá, olhei para a minha estante de livros.
Nada a distingue de outras estantes, alguns clássicos, algumas coleções, enciclopédias, livros que comprei, outros que me ofereceram, uns que li, outros que não acabei (nunca acabo de ler livros de que não gosto).
Reparei que não há uma ordem específica, nem por temas, nem por tamanhos, nem por autores, talvez seja porque a vida mistura tudo e nada há de mais parecido com a vida do que os livros.
Não tenho livros raros, não tenho tudo de um determinado autor, não tenho especial cuidado com as capas e as páginas, mas todos os que foram parar à estante foram abertos e lidos, com a exceção mencionada entre parênteses, e de todos tentei extrair o possível. O que eu consegui como leitor, o que os autores conseguiram como escritores.
E apenas quando senti que fez diferença na minha vida, só quando eu e o autor articulámos saberes e emoções e tivemos uma experiência conjunta, nunca por críticas ou loas avulso, é que considero determinado livro um bom livro.
Ali estão, aparentemente inertes, aparentemente inócuos, os livros que fui juntando ao longo da minha vida.
Mas esta é apenas uma parte da estante, chamemos-lhe a estante tradicional, onde confluem e convivem a cultura americana com a japonesa, a latino-americana com a alemã, a francesa com a escandinava, a africana com a britânica, a portuguesa com a espanhola.
Mas há uma outra parte da estante, também feita de prateleiras de madeira, também sem respeitar qualquer ordem alfabética.
Quem chegue à minha sala não as distingue imediatamente. São duas estantes, oito prateleiras, quatro prateleiras à esquerda, quatro à direita, livros de um lado e livros de outro.
Contudo, para poder ser certificado e integrar esta outra parte da estante, o livro tem de provar que tem pronúncia e obrigatoriamente tem de saber conjugar o gerúndio.
Nesta minha estante, feita da melhor madeira de azinho, há um conjunto de livros de que eu gosto muito e pelos quais sinto um especial carinho.
São livros que entraram na minha vida de uma forma muito particular. São livros de amigos, de apresentações onde eu estive presente, ofertas que me fizeram, livros para os quais escrevi o prefácio, ou apresentei, ou revi, ou assisti ao seu processo de construção.
A maior parte dos autores são meus conhecidos, gente comum, às vezes quase anónima, gente que escreve por gosto e por paixão.
Nesta parte da estante, chamemos-lhe a estante transtagana, confluem e convivem poesia, histórias de terras, histórias de pessoas, histórias de vida, histórias de morte, ficções, realidades, documentos, pensamentos, uns ruins, outros esperançosos, romances, contos, crónicas, modas.
Cada livro que está nesta minha parte da estante é uma prova viva de um contributo para a defesa da palavra, da cultura, da identidade, da sensibilidade e do conhecimento.
Nesta minha parte da estante, onde eu hoje fui depositar um outro livro que um amigo me enviou, estão os livros de mulheres e homens feitos de cal, de lonjuras e de sol que escrevem por terem receio de morrer sem terem dito nada que perdure mais um bocadinho para além da sua morte.
Eu é que já dei instruções aos que cá ficam para cuidarem bem desta parte da estante. Iguais à outra parte há muitas. Como esta é que há poucas.
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