Modernices Medievais

Sexta-feira, 22 Outubro, 2021

Napoleão Mira

Escritor

Leio numa publicação que, evoluímos mais nos últimos 17 anos que de 1400 até 2004.
Não arriscaria numa avaliação tão radical, mas que estamos no olho do furacão da maior revolução social e tecnológica disso não parecem restar dúvidas.
Vivemos tempos de grandes metamorfoses sociais. Desde o atual e descartável conceito de família aos avanços na igualdade de género (que aplaudo sem reservas!) até ao romper com as tradições, boas e más, que marcaram a existência da minha e anteriores gerações.
Nunca as fontes de informação estiveram tão perto do cidadão como agora estão, diria mesmo à distância de um clique. No entanto, no sentido contrário, nunca assisti a tantos exemplos de microcefalia como nos tempos que correm.
Uma jovem concorrente de um desses programas de TV para embrutecer cérebros só sabia a tabuada dos três até ao 3X2 e parecia orgulhar-se disso.
Naquelas rubricas vox pop que há em todos os canais, sou confrontado com o embrutecimento de estudantes universitários que não sabem responder a questões elementares da instrução primária.
Na verdade, nada é como dantes. Sou tudo menos bota de elástico ou pretendente a “velho do Restelo”. No entanto, reconheço que tenho de apelar a toda a minha tolerância para compreender determinadas atitudes das gerações que começaram agora a levantar a crista.
E regresso à eterna questão que me aflige. Será que somos mais felizes?
Se o leitor for da minha opinião, e também pensar que não, então de que serve esta desenfreada revolução do saber e do conhecimento?
Claro que sei reconhecer muitas das mais-valias que esta evolução nos trouxe. No entanto, também reparo que vivemos um tempo do politicamente correto, ou mesmo de autocensura, caminhando para uma espécie de medievalismo moderno.
Não se pode ir a uma matança de porco ou assistir a uma tourada sem que se seja apedrejado com olhares de repugnância.
Não se podem usar determinados termos que usávamos até há pouco sem sermos acusados de racistas, xenófobos, homofóbicos ou misóginos, mesmo que no nosso coração, naquilo que temos de mais intímo, sabermos que cultivamos a tolerância e o respeito.
Aqui há tempos, e motivado por essa autocensura que nos vai cercando, fui a um bar e apetecia-me uma cerveja preta. Como o empregado era preto (até me está a custar escrever isto assim!), em vez de preta, pedi uma cerveja negra, o que foi motivo de chacota para os presentes, incluindo o empregado.
Eu, que vivi em ditadura e sei o que é falar baixo e rodeado de mil cuidados, volto a sentir essa ansiedade que se esconde nas sombras onde reside o medo e que me leva a pedir uma cerveja negra, e não preta, como de resto está escarrapachado no rótulo.

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