Leve-Leve

Sexta-feira, 16 Dezembro, 2022

Napoleão Mira

Escritor

Ao longo dos tempos tenho intercalado aqui as minhas crónicas com alguns relatado de viagem. Desta feita, e porque a memória ainda é fresca, queria deixar-vos a minha impressão acerca da incursão que fiz a São Tomé.
Na verdade, este projeto de viagem também incluía uma curta visita à ilha do Príncipe. Acontece que, a 48 horas da nossa partida para a ilha principal do arquipélago, recebemos uma comunicação dando conta do cancelamento do voo, sem qualquer possibilidade de alteração, tanto mais que já estávamos de malas feitas para esta viagem.
Há muito que queria visitar estas paragens. Li o extraordinário romance Equador, de Miguel Sousa Tavares, vai para 20 anos e, desde então, que São Tomé não me sai da cabeça. Queria ver com os meus olhos o que o protagonista Luís Bernardo Valença vivera.
E pronto! Aterrámos noite dentro em São Tomé sob uma chuva quente, miudinha e persistente.
As únicas notas de memória com que fiquei foi que a estrada do aeroporto para a cidade tinha mais buracos que alcatrão e o táxi (se assim lhe pudermos chamar!) há muito que não tinha suspensão.
Juntando estes dois fatores, não é preciso ser muito inteligente para deduzir o que esperar em termos de deslocações.
A capital, bordejada pela baía Ana Chaves, foi outrora uma bela cidade. Em termos arquitetónicos ainda mantém o espírito colonial com elegantes edifícios, muitos deles a necessitarem de profunda manutenção.
Viajar a estas paragens é um pouco… viajar no tempo. Não fora a praga de smartphones a recordarem-nos o século em que estamos e até que poderíamos recuar a muitas décadas passadas.
A vida aldeã que vou percorrendo remete-me para o que acabo de dizer. Nas aldeias ribeirinhas alinham-se dezenas de pirogas, essas embarcações escavadas em troncos de árvore, que são desde sempre, e ainda hoje, a forma de os homens buscarem no mar o sustento.
Ao início da manhã é um quadro de enorme beleza plástica ver regressar à praia estas embarcações de um homem só, cuja venda do pescado é feita ali mesmo, em pleno areal.
Este é um pequeno país, onde apesar de todas as vicissitudes o sorriso largo, franco e genuíno é o cartão de visita dos santomenses.
As praias do norte, desertas e paradisíacas, são outra das suas atrações.
Se nos dirigirmos para sul, onde as estradas são praticamente inexistentes ou tão esburacadas que, no nosso caso, quase nos demorou um dia inteiro a percorrer pouco mais de 80 kms.
É uma crítica que não posso deixar passar em vão num território que aposta tudo no turismo e depois não investe uma dobra que seja nos acessos rodoviários, logo, os investimentos ficam onde este possam existir.
Seria fácil a crítica comparativa com o nosso estilo de vida. Não! Não é por aí que quero ir. Embora sabendo que muito falta fazer, existe muito também já feito pelo homem ou pela natureza.
Pelo homem, dou o exemplo da Roça de São João dos Angolares, onde o multifacetado chef, artista plástico ou investidor João Carlo Silva (Quem não se lembra do programa de TV “Na Roça Com os Tachos!”) faz mais pelo país que todo o Ministério da Cultura.
Pela natureza, dou o exemplo final do espetáculo único que é a desova das tartarugas marinhas na Praia Jalé, de entre outras do sul da ilha.
Um privilégio a que julguei nunca assistir, mas que aconteceu mesmo à porta do alojamento onde fiquei nesta praia.
Em jeito telegráfico, julgo que as roças poderiam (ainda poderão!) ter um outro destino, até porque muitas delas são um excelente exemplo de arquitetura colonial e, algumas delas, casos de estudo acerca dos projetos sociais que encerraram.
Bem sabemos das injustiças, dos maltratos, da escravatura ou dos abusos sexuais. Como já não podemos repor justiça nesses factos memoráveis, bem que poderiam ser guardados os seus testemunhos, retirando deles proveitos vários, nomeadamente os turísticos, históricos e monumentais.
Se me perguntarem se São Tomé valeu a pena? Direi que sim e que quero lá voltar, nem que seja para comer umas santolas e beber umas Rosemas com os amigos que lá deixei.
De resto, é continuar a vida com o espírito “leve-leve” dos santomenses!

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