<b>I. </b>Há quem viva na Madeira muito melhor do que viveria, nas mesmas condições sócio-profissionais, no continente. E não são meia dúzia de pessoas que estão nestas condições, antes pelo contrário. Pode viver-se muito bem, mesmo, na Madeira. Se se quiser pagar o respectivo preço. Não será por acaso que em cada executivo regional presidido pelo inefável Alberto João, existia sempre, se bem me lembro, pelo menos um secretário regional que, normalmente, não é militante do partido no poder nem tem outra filiação partidária abertamente conhecida. A <i>nomenklatura </i>comporta-se, ela também, como uma ilha. Há que comprometer para que se permita que se tire proveito.
Por muitos esforços que faça para demonstrar o contrário, Alberto João é tudo menos parvo. Gere, na perfeição, uma mescla de imagem de proximidade das classes populares, de simples e de folgazão (vide desfiles de carnaval na Avenida Zarcos do Funchal), com comportamentos de um insuportável autoritarismo, mas de um autoritarismo personalizado, de alguém que quer sempre surgir como uma figura paternal que resolve os problemas da comunidade madeirense. O trabalho sujo é, claro, feito por outros. E, no fundo, o esquema é de um primarismo arrepiante: qual <i>western </i>insular, tem índios (ou “cubanos”, neste caso) que personificam todo o mal e <i>cowboys</i>, o Governo Regional e sequelas, que desempenham o papel dos bons.
O problema actual é que os produtores do filme (os “cubanos” que fazem o papel de índios) começaram a ficar chateados com o facto de fazerem sempre o mesmo papel e, ainda por cima, de serem insultados por isso. Durante uma longa série de anos, por conveniências diversas entre índios/cubanos e <i>cowboys</i>, o <i>status quo </i>manteve-se e continuou a haver filme. O enredo dos episódios foi sempre mais ou menos o mesmo, com insultos de hoje amanhã lavados com beijos nas bocas políticas certas, mas com os índios/cubanos sempre a entrarem com as massas, pagando cenários e actores. No meio de tudo isto, largos milhares de figurantes continuam sem perceber muito bem o enredo e o seu papel, mas nunca se preocuparam muito com isso, porque, mesmo quando o realizador era outro, nunca ninguém lhes deu aulas de cinema. Entretidos com papas e bolos, mesmo que oferecidas no Chão da Lagoa e regadas com poncha, falta o paradigma alternativo para comparação e, assim sendo, continuam a figurar.
Escrevo esta crónica no dia da estreia de mais um episódio, em 6 de Maio, dia de eleições regionais antecipadas na Região Autónoma da Madeira (RAM). Muito provavelmente Alberto João vai conseguir, também mercê das modificações da lei eleitoral, um resultado retumbante, com nova e, eventualmente, maior maioria absoluta. E vai continuar a insultar adversários políticos, jornalistas e cubanos. Até um dia. Até que se torne claro o que tem de se tornar claro: até que se perceba, de uma vez por todas, que o que se passa na RAM é, também, um caso de polícia. Ate que se perceba e se diga alto que os “Isaltinos”, as “Fátimas Felgueiras”, os “Valentins”, são meros aprendizes. E que o Carmona (pobre coitado) perceba que fez o papel de bobo sem disso se dar conta e disso se dê conta. Não defendo uma “República de Juízes”, longe disso. Mas defendo um país em que o Procurador Geral da República esteja atento e seja saudavelmente interveniente e se preocupe em saber, com rigor, o que se passa na Madeira. E que impeça, ele e todos nós, enquanto cidadãos intervenientes, que um dia cheguemos à Madeira.
<b>II.França. </b>Dia de segunda volta das eleições presidenciais. Eleições importantes, para os franceses, para a Europa e para o mundo. O que está em causa é muito simples: dar campo livre ao neoliberalismo desenfreado ou repensar o papel político da esquerda. Sarkozy tornou claro o seu programa político com uma simples frase há alguns meses atrás, ao apelidar de <b>escumalha </b>os jovens emigrantes de segunda e terceira geração residentes nos subúrbios das grandes cidades, sem vida digna desse nome e, sobretudo, sem qualquer projecto para a mesma. Numa França capaz do melhor e do pior: de dar 18% a um troglodita do tipo Jean Marie Le Pen, como aconteceu nas presidenciais anteriores, e de acorrer em massa às urnas como aconteceu na primeira volta destas eleições. Uma França capaz de fazer um corte epistemológico político do calibre da revolução francesa e capaz de encaixar o regime colaboracionista de Vichy na segunda guerra. Ségoléne Royal, por seu lado, incarna as preocupações da esquerda moderna: como caminhar e como abrir novos caminhos em terrenos minados pela globalização, pela feroz oposição entre pobres e ricos, como reinventar políticas de esquerda, mesmo sob o fogo de quem não reconhece, ou não quer reconhecer, que a esquerda tradicional é, cada vez mais, um fantasma residente em casa de tias ricas e que perdeu, praticamente, a ligação com a realidade?
Sei que, possivelmente, as coisas ainda não estão maduras para isso, mas torço por Ségo. Força, madame Royal.