A pergunta a colocar aos portugueses foi discutida e proposta na Assembleia da República, analisada e aprovada pelo Tribunal Constitucional e, consequentemente, seguindo os trâmites legais, o Presidente da República marcou a data “da consulta popular” para o dia 11 de Fevereiro de 2007. Mais uma vez, este importante assunto volta a ser referendado pelos portugueses. E vamos ver a reacção a “mais uma ida às urnas”.
A figura do Referendo teve de ser objecto de revisão constitucional para poder ser introduzido no panorama legislativo português. As experiências referendárias são recentes e, do meu ponto de vista, nunca foram assimiladas pelos partidos como um verdadeiro instrumento de luta política.
O Referendo passou a ser, em Portugal, um mero expediente na tentativa de resolver temas com características incómodas ou cujas incidências são transversais aos dois principais partidos portugueses. Foi assim com dois relevantes assuntos do nosso panorama jurídico-constitucional: a criação de regiões administrativas e a interrupção voluntária da gravidez (IVG).
O primeiro obrigava a uma alteração profunda do nosso ordenamento administrativo, permitindo uma desconcentração efectiva da administração central em favor da criação de uma autarquia regional.
O segundo permitia a IVG até às 12 semanas de gestação, dando assim condições de higiene e saúde pública a quem, por variadíssimas razões, optasse por este caminho.
Ambas as iniciativas conjugavam, do meu ponto de vista, um avanço significativo da nossa sociedade, quer quanto à eficácia da governação, quer quanto à dignificação do ser humano: as duas iniciativas foram rejeitadas de forma clara pelos portugueses, quer pelas respostas às perguntas, quer pela fraca participação dos cidadãos.
Diz o ditado popular que “não há duas sem três”, regressando agora o tema da IVG. Ainda que com algumas modificações relevantes, novamente os portugueses são chamados a pronunciar-se, mais uma vez reinam os mais profundos silêncios político-partidários.
Ao invés de outros países, nomeadamente os nórdicos e em particular a Suiça, a figura referendária em Portugal é “o parente pobre” das nossas intervenções políticas. Tem servido apenas para “chutar para canto” alguns assuntos mais delicados.
Enquanto na Suiça se referenda desde a construção de uma ponte até à entrada do país na União Europeia, em Portugal este método apenas serve para “despachar” temas mais ou menos fracturantes para os partidos políticos. Talvez por essa razão, não vemos os partidos a envolverem-se nas diversas opções referendárias com a mesma força e a mesma determinação com que se envolvem, por exemplo, para a eleição de um qualquer líder.
Nunca entendi, nem aceito, este alheamento quase natural dos referendos convocados, essencialmente por duas razões:
<b>1. </b>Porque a importância dos temas em debate e sucessiva votação merecem, como já referi, a maior das atenções e o maior dos empenhos;
<b>2.</b> Porque uma participação inferior a 50% neste referendo não condena apenas a substância, a IVG, mas é a “condenação à morte” do Referendo.
A acontecer uma participação inferior aos 50%, temo que a figura Referendo seja banida por largos e longos anos do nosso panorama político. Será uma verdadeira Interrupção Voluntária do Referendo!
O curioso é que assistimos recorrentemente nas televisões a inquéritos de rua em que, na sua esmagadora maioria, os portugueses respondem que concordam inteiramente com os referendos. Pois é, concordam mas não vão votar.
O exemplo de muitas das perguntas condicionadas, visto que já prevemos as respostas, colocadas ao acaso nas ruas, como “concorda com o aumento dos salários?”, “acredita que os políticos ganham muito?”, “pensa que a saúde está bem?”, ou outras similares, os portugueses respondem sim na sua maioria. Também em relação ao referendo a resposta é amplamente positiva. Com os partidos políticos, refiro-me apenas ao PS e PSD, passa-se exactamente o mesmo: ambos concordam, mas não se empenham.
Assim, na noite de 11 de Fevereiro de 2007, e independentemente dos resultados à pergunta, veremos se a nossa participação individual, se for inferior aos 50%, não vai provocar uma grande responsabilidade colectiva: o fim dos referendos em Portugal.