Quiserem os deuses da coincidência relembrar-me que faz por estes dias precisamente 50 anos que presenciei um episódio que registei na memória com rara clarividência.
Foi exatamente no dia 22 de novembro de 1973, aí pelas 11h30 da manhã, numa tasca localizada na Avenida Duque De Ávila, em Lisboa, que assisti ao bizarro e emocionante acontecimento que agora convosco partilho.
Ao tempo contava 17 anos e trabalhava num hotel nessa mesma avenida. Como noutras ocasiões em que o almoço alternava entre a ração de combate e a massa para encher cabocos, optávamos por o trocar por uma sandes mista e um Sumol de ananás. Isto, porque o podíamos permutar por uma moeda de quarto de dólar, ou, na ausência desta, por apontar no livro do fiado até receber a próxima gorjeta de um qualquer americano endinheirado.
Naquela quinta-feira, estava longe de pensar que iria viver um dos dias mais empolgantes da minha vida.
Estava eu e o Secundino Pimenta muito entretidos a devorar as nossas sandes, quando entraram no estabelecimento três clientes carregando cada um o seu saco. Extrovertidos, simpáticos, saudaram os presentes e pediram cafés e umas águas, enquanto um de cada vez ia à casa de banho, carregando o saco com que entrara.
O tasqueiro João Pingo, atrás do balcão, limpava-o afincadamente com um pano que, pelas minhas contas, já tivera melhores dias. E, entre chalaças de quem se conhece de todos os dias, lá ia dando o seu palpite sobre o resultado do Benfica para o domingo seguinte. A bola, sempre fora (e ainda é!) um ótimo desbloqueador de conversa!
Na exígua taberna onde meia dúzia já era uma multidão, entrou de rompante um número de homens exaltados, agressivos e apressados, colhendo de surpresa todos os que aí estavam. Era a PIDE! Empunhavam pistolas e, se bem me lembro, um deles, metralhadora ligeira. Nisto, ouviu-se um grito: – Todos quietos. Mãos no ar. Nada de se armarem em engraçadinhos.
Eu e o Secundino, atónitos, apavorados, ainda tentámos instintivamente obedecer à ordem, mas o da metralhadora ligeira, dando sinal com o cano da mesma, ordenava que desaparecêssemos dali para fora. Coisa que cumprimos sem pestanejar!
Cumprimos… Mas ficamos na placa central ali a três metros, vendo o filme que se estava a desenrolar à nossa frente.
Os três homens do saco não ofereceram qualquer resistência, mas, mesmo assim, levaram logo ali umas coronhadas para lhes acertar o caminho.
Depois de algemados, um deles querendo puxar pelo cabelo ao mais alto do grupo ficou com a cabeleira na mão. Só então o reconheceram e se depararam com o prémio que lhes tocara em sorte. Tinham à sua frente, e imobilizado, Hermínio da Palma Inácio, a maior “dor de cabeça” de Salazar, também, pelos vistos, de Marcello Caetano e do regime fascista.
Este algarvio marafado (nunca este termo foi tão bem aplicado!) nasceu em Ferragudo a 29 de janeiro de 1922, tendo falecido em Lisboa, a 14 de julho de 2009.
Aos 25 anos de idade já sabotava os caças da aviação na base aérea da Granja.
Esta audaciosa ação teve a ver com a tentativa de golpe militar de 1947, encabeçado pelo general Godinho e pelo almirante Cabeçadas, que, depois de gorado, o obrigaram a sete meses de clandestinidade e posterior prisão pela PIDE.
É conhecido por ter feito o primeiro desvio de um voo comercial de que há registo, a Operação Vagô (1961), em que um avião da TAP sobrevoou Lisboa, Barreiro, Beja e Faro a baixa altitude para lançar cem mil panfletos apelando à revolta popular contra a ditadura.
Esta foi uma das muitas aparatosas ações que empreendeu contra a ditadura. A mais espetacular terá sido o assalto ao Banco de Portugal da Figueira da Foz, que contou com a participação de mais três camaradas: Camilo Mortágua, António Barracosa e Luís Benvindo. Naquele 17 de maio de 1967 roubaram 29.000 contos, uma fortuna para a altura.
Seria fastidioso enunciar todas as ações patrióticas (que acreditem foram mesmo muitas!) deste cavaleiro andante, deste herói romântico que, quiseram os deuses, tenha sido preso pela última vez precisamente à minha frente.
Na hora de ser levado e já subjugado, vencido e ensanguentado, voltou-se para o PIDE que o segurava e, pedindo-lhe para aliviar as algemas, disse-lhe nos olhos e com firmeza: – Saiba vencer que eu também sei perder.
Depois da revolução, e com a extinção da LUAR, a organização revolucionária que fundou e onde militava, recusou todas as benesses e privilégios e passou a viver como um modestíssimo cidadão, como de resto é apanágio dos heróis românticos. E este lutador antifascista, este guerrilheiro urbano, é um dos meus indefetíveis heróis!
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