Água de Évora

Quinta-feira, 17 Setembro, 2020

Alberto Matos

dirigente do BE

Desta vez, a notícia não foi o excesso de alumínio na água nem a tragédia dos doentes sujeitos a hemodiálise que, há 18 anos, fez correr tanta tinta.
A notícia é que a Câmara de Évora, com votos favoráveis do PS e da CDU e a abstenção do PSD, decidiu suspender, a concessão do fornecimento de água pela Águas do Centro Alentejo. Esta tomada de posição, embora tardia, forçou a abertura de um processo negocial entre o Município e o grupo Águas de Portugal (AdP) que deverá estar concluído até Março de 2011.
No entanto, a Câmara de Évora foi a alma política da Águas do Centro Alentejo, SA, resultante da parceria de 2003 que envolveu também o Alandroal, Borba, Mourão, Redondo e Reguengos de Monsaraz com a Águas de Portugal: esta ficou com 51% do capital, enquanto os restantes 49% se dividiram pelos municípios (Évora com 26,84%) e pela EDIA, com 5%.
Sintomático: Évora, a maior e a primeira Câmara do Alentejo a enveredar por uma parceria com a AdP, começa a arrepiar caminho. A dívida à Águas do Alentejo Centro atingiu já seis milhões e 500 mil euros, levando o vice-presidente, Manuel Melgão, a afirmar: “Os custos têm-se vindo a acumular e a Câmara Municipal está confrontada com uma situação financeira de ruptura, para conseguir satisfazer os seus compromissos”.
Nem a crónica falta de controlo dos níveis de arsénio e de alumínio na água tinha melhorado: no último ano a cidade de Évora sofreu diversos cortes no abastecimento a cargo da Águas do Centro Alentejo. Mais uma vez se prova que objectivos de lucro e a estratégia de privatização não casam bem com uma relação qualidade/preço da água respeitadora de critérios de justiça social e ambiental, nem tão pouco com a defesa da saúde pública.
Entre Julho e Setembro de 2009, em véspera de eleições autárquicas, outros 21 municípios subscreveram um protocolo que deu origem à Águas Públicas do Alentejo, SA, controlada a 51% pela Águas de Portugal, com o apoio unânime dos autarcas do PS, PSD e CDU – apenas o BE votou contra, através do seu representante na Assembleia Municipal de Castro Verde.
Repetiu-se assim o modelo da Águas do Centro Alentejo e de cerca de 200 municípios que entregaram o controlo da água (captação em alta e, muitos, também a distribuição em baixa) à Águas de Portugal. Os resultados deste primeiro passo para a privatização integral do sector começam a aparecer e tornar-se-ão cada vez mais claros, com subidas brutais do preço da água. Entretanto, os municípios vão acumulando dívidas à AdP e aqueles que insistam em praticar tarifas sociais da água verão essa dívida aumentar.
A Águas de Portugal é uma empresa altamente endividada, à beira da falência técnica, o que não inibiu a administração de pretender renovar a frota de 388 automóveis topo de gama, atribuídos aos quadros superiores – o escândalo só foi adiado por ter vindo a público. Ainda por cima, a administração da AdP desculpa-se com as dívidas dos municípios, numa espiral de dívidas, de má gestão e de negociatas, programadas para arruinar o sector público das águas e apresentar a privatização como a “salvação inevitável”. Afinal, a receita típica do FMI.
Évora não é um caso isolado, em Portugal ou na Europa: outros municípios que alienaram o controlo da água estão estrangulados por dívidas. Até Londres e Paris se viram obrigados a remunicipalizar as águas que tinham privatizado.
Esperemos que isto sirva de alerta aos municípios recentemente caídos nas malhas da Águas de Portugal, como os da impropriamente chamada Águas Públicas do Alentejo, SA – da qual se retiraram, logo na fase de constituição, Sines e Vila Viçosa. Era bom que todos os alentejanos reflectissem na experiência de Évora, antes que seja tarde demais…
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