Em mais de vinte anos de profissão, depois de centenas e centenas de páginas impressas nos jornais e nas revistas, após todo o tipo de chaladices, traquinices e javardolices jornalísticas, e quando já se pensava que não havia terreno para a surpresa ou para a maravilha, eis que sim! Eis que a alucinação e a doidura regressaram à minha existência impressa. Contra tudo o que seria provável ou imaginável, fui título de um artigo inserto aqui neste mesmo jornal cuja tinta, por certo, agora lhe estará a sujar as mãos. “SIM ODEMIRA, não Paulo Barriga” é um texto muito cómico que foi escrito por um político, afinal, também bastante divertido. Gostei muito, fartei-me de rir e aconselhei. Assinou o artigo António Camilo, que é presidente do Município de Odemira, eleito pelo Partido Socialista.
Um político com muita graça, afinal, festivo, patusqueiro, recreativo e jovial. Um eleito, detentor de cargos públicos, com muito jeito para a arte literária e para a defesa intransigente da sua gente, do seu concelho, da sua região. Apesar de gracioso e de tolerante, o autor do artigo não gostou mesmo nada de ler um outro texto onde eu (mais tarde título de jornal) disse às pessoas que a região de Odemira, o mais imaculado pedaço de litoral da Europa, corria sérios riscos em função da construção de três grandes projectos betoneiros: cinco mil camas para velhos ingleses cravados em graveto.
Numa notável partida democrática – própria dos jornais democráticos e dos políticos democráticos – teve o ofendido mais do dobro do espaço que o “ataque” augurou ter. E ainda bem que o teve, pois que saudável e fresca é a sua escrita e que temerosa e assustadora é a sua visão futura para aquele concelho.
Em minha opinião – e isto não é nada de particular – gosto muito quando os políticos ficam muito irritados quando a gente os belisca assim com um pedacinho mais de força na unha, ui-ui se ficam! É sinal que algo se passa no reino de Odemira. Algo que democraticamente o ofendido assegurou tratar-se de desenvolvimento, ainda que não tenha percebido que o progresso pertence às grandezas graduais, progressivas: não dá para fazer de um dia para o outro, à brutalhota, como pretende o autor da visão. De outra forma não se chamaria progresso, mas antes imediato, instantâneo, ou assim. Nunca progresso.
O progresso é algo próprio da Humanidade, dos justos e da lógica. Imagine-se que a vila de Odemira, milenar, tem capacidade para as mesmas cinco mil camas que o seu presidente agora quer fazer de lavado de uma só vez. Levou o Homem odemirense, desde a ancestralidade, largas centenas de anos para chegar a este conceito e dimensão de vila. É a isto que se chama progresso ou desenvolvimento integrado como os políticos agora gostam de dizer firmemente.
Não é então de estranhar que um homem só, de uma só vez, crie da sua notável e incomparável e iluminada iniciativa e sabedoria três ricos dormitórios maiores em grandeza do que aquilo que a própria Humanidade conseguiu construir em Odemira?
Esta é a redonda metáfora do cientista que criou um monstro quando se quis substituir a Deus na concepção laboratorial de um Homem perfeito. A metáfora de Frankenstein. Em Odemira, e noutros locais ambiciosos em tijolo e cimento, em nome de uma certa necessidade de progresso, estão para nascer monstros urbanísticos. Seres que, como o próprio Frankenstein, terão tudo menos o mais importante: o amor.
Os empreendimentos urbanísticos que andam a fazer em água a cabeça dos autarcas do Alentejo não provêm do amor, do sentimento, da sensibilidade, da natureza, do bem. São projectos envenenados e bastante nefastos em termos ambientais e, mais ainda, sociológicos. Certo engenheiro do ambiente algum dia dirá ao presidente que os impactos na natureza são mínimos. Mas nenhum doutor dos homens poderá aferir por antecipação o que ali vai acontecer ao nível desta fauna que, em certos casos, parece ainda não ter emancipado os polegares dos restantes dedos da mão.
É preciso criar condições para que os jovens se fixem, dirão, ou dirá. Muito bem. Mas com este modelo de progresso não será. Vejam o que aconteceu nos últimos anos no sul de Espanha. Vejam os atentados que se cometeram em nome deste progresso. Vejam os guetos ricos com cinturas miseráveis que se construíram. Vejam os mamarrachos inomináveis que se edificaram para nada. Vejam o abandono. E vejam, antes de mais, como apenas muito poucos enriqueceram com a aventura e como os tais que seriam os principais beneficiários tiveram que abandonar ainda mais depressa as suas terras.
Este é um modelo de desenvolvimento esgotado, experimentado em abundância, sem mercado, e os seus impulsionadores são verdadeiros vendilhões da banha da cobra. Por norma nem são os autores dos projectos, são intermediários que já comparam a ideia e que a querem passar a todo o custo a algum incauto. Neste caso a algum desatento, embora bem intencionado autarca.
Já agora: isto não tem nada de pessoal, nem de desrespeitoso. O que agora me move em afastamento ao presidente da Câmara, é o que sempre a ele me aproximou: um amor desmedido por aquele pedaço de terra. O mesmo amor que certamente ambos mantemos, apesar dos ângulos inversos.
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