Nunca o tinha visto. Mas imagino-o a deitar-se tarde, noite dentro, já madrugada de sábado, a taberna a fechar, ele a arrotar a linguiça assada, o tinto do vinho nos dentes, o sabor a cabeça de borrego na boca, o canivete engordurado na algibeira, uma música dos Ganhões a entoar-lhe dentro da cabeça. Imagino-o com a boina de lado, a calça a cair, a fralda da camisa de fora, um cigarro atrás da orelha, a bota caneleira agarrando-se como podia à calçada, resvalando no passeio, os olhos semicerrados, raiados de vermelho, a passada incerta subindo a rua. Imagino-o encostado à parede, as mãos em concha, um dedo na pedra do isqueiro, tentando acender o cigarro e a orientação. Imagino-o parado à porta com um molho de chaves na mão e a fechadura demasiado pequena para tanto escuro e tanto álcool. E vejo-o a entrar em casa, a chocar com o móvel de <i>hall </i>de entrada, a jogar a mão e não encontrar o interruptor – que mania que as mulheres têm de mudar os interruptores de sítio. Entra na cozinha, a mesa ainda está posta, era caldo verde e carne estufada, amanhã vai tudo para o cão. Ouço o desassossego do cão no quintal, o relógio da sala a bater as quatro da manhã, a mulher a acender a luz do quarto. Tem que se ir deitar, amanhã vai apitar o Palheirense.
É já meio-dia. Imagino-o a abrir os olhos a muito custo, a cabeça ainda com os Ganhões a actuarem lá dentro, a boca a saber a pimentão de horta e o estômago afogado em azia. Imagino-o a levantar-se trôpego, a tomar um duche de água fria, a dispensar o jantar de couve, a comer só um caldinho Knorr e a beber uma garrafa de água das pedras.
Imagino que lá fora já o carro do árbitro apita a chamá-lo. Já vai. Mas o saco não está pronto. É preciso reunir bandeirinha, equipamento, toalha. Parece que está tudo. Imagino-o no caminho, dentro do carro, a dizer mal da vida, oh homem não me digas nada, ontem apanhei a camada.
Imagino-o a chegar ao Martinho Nabiça na Aldeia de Palheiros ainda dormente, a entrar no balneário a custo, a abrir o fecho do saco, a tirar a bandeirinha amarela, os calções, a camisola, a procurar em vão o resto. Tinha-se esquecido das meias e das botas. Imagino-o a dizer olhe que há destinos, a ir ter com o delegado do Palheirense à procura de umas meias e dumas botas que lhe servissem. Meias arranjaram-se, botas é que não havia o número. E já eram dez para as três. Como a necessidade aguça o engenho e os jogos começam às três, lá se desencantaram uns sapatos na arrecadação da cal.
Já as equipas, o árbitro e o outro fiscal de linha estavam dentro do campo quando o homem entrou no recinto de jogo. Visto de perfil parecia ele que trazia a bola do jogo debaixo da camisola amarela. Duas valentes nódoas eram bem visíveis na zona do peito – bem podiam ser as insígnias da pipa. O calção preto, anormalmente justo e curto, expunha dois pernões rosados e a remediar o esquecimento trazia calçados uns sapatos de vela brancos e umas peúgas da raquete. Era um misto de juiz auxiliar e jogador de ténis, a simbiose entre um árbitro e um enfermeiro do Hospital de Beja, a síntese entre um fiscal de linha e um alemão de férias no Algarve.
É o que dão os estágios à sexta-feira à noite até às tantas.

Castro Verde recebe Mega Encontro Jovem de atletismo
Mais de uma centena de atletas vai participar, neste domingo, 3, no Mega Encontro Jovem de Atletismo de Castro Verde, que vai decorrer na pista